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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Noções de Lógica

NOÇÕES DE LÓGICA
1. CONCEITO DE LÓGICA: é a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-los à pesquisa e à demonstração da verdade. Diz-se que a lógica é uma ciência porque constitui um sistema de conhecimentos certos, baseados em princípios universais. Formulando as leis ideais do bem pensar, a lógica se apresenta como ciência normativa, uma vez que seu objeto não é definir o que é, mas o que deve ser, isto é, as normas do pensamento correto. A lógica é também uma arte porque, ao mesmo tempo que define os princípios universais do pensamento, estabelece as regras práticas para o conhecimento da verdade (1).
Lógica - do grego logos significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “discurso”, “razão”. Para Aristóteles, a lógica é a “ciência da demonstração”; Maritain a define como a “arte que nos faz proceder, com ordem, facilmente e sem erro, no ato próprio da razão”; para Liard é “a ciência das formas do pensamento”. Poderíamos ainda acrescentar: “É a ciência das leis do pensamento e a arte de aplicá-las corretamente na procura e demonstração da verdade. A filosofia, no correr dos séculos, sempre se preocupou com o conhecimento, formulando a esse respeito várias questões: Qual a origem do conhecimento? Qual a sua essência? Quais os tipos de conhecimentos? Qual o critério da verdade? É possível o conhecimento? À lógica não interessa nenhuma dessas perguntas, mas apenas dar as regras do pensamento correto. A lógica é, portanto, uma disciplina propedêutica.

Aristóteles é considerado, com razão, o fundador da lógica. Foi ele, realmente, o primeiro a investigar, cientificamente, as leis do pensamento. Suas pesquisas lógicas foram reunidas, sob o nome de Organon, por Diógenes Laércio. As leis do pensamento formuladas por Aristóteles se caracterizam pelo rigor e pela exatidão. Por isso, foram adotadas pelos pensadores antigos e medievais e, ainda hoje, são admitidas por muitos filósofos.

O objetivo primacial da lógica é, portanto, o estudo da inteligência sob o ponto de vista de seu uso no conhecimento. É ela que fornece ao filósofo o instrumento e a técnica necessária para a investigação segura da verdade. Mas, para atingir a verdade, precisamos partir de dados exatos e raciocinar corretamente, a fim de que o espírito não caia em contradição consigo mesmo ou com os objetos, afirmando-os diferentes do que, na realidade, são. Daí as várias divisões da lógica. Assim sendo, a extensão e compreensão do conceito, o juízo e o raciocínio, o argumento, o silogismo e o sofisma são estudados dentro do tema lógica. O silogismo, que é um raciocínio composto de três proposições, dispostos de tal maneira que a terceira, chamada conclusão, deriva logicamente das duas primeiras chamadas premissas, tem lugar de destaque. É que todos os argumentos começam com uma afirmação caminhando depois por etapas até chegar à conclusão.

Estudemos a lógica, pois não basta conhecer a verdade, é preciso que saibamos refutar os erros. E só o conseguiremos com a exatidão do pensar.

2. EXTENSÃO E COMPREENSÃO DOS CONCEITOS

Ao examinarmos um conceito, em termos lógicos, devemos considerar a sua extensão e a sua compreensão. Vejamos, por exemplo, o conceito homem. A extensão desse conceito refere-se a todo o conjunto de indivíduos aos quais se possa aplicar a designação homem. A compreensão do conceito homem refere-se ao conjunto de qualidades que um indivíduo deve possuir para ser designado pelo termo homem: animal, vertebrado, mamífero, bípede, racional. Esta última qualidade é aquela que efetivamente distingue o homem dentre os demais seres vivos (2).

3. JUÍZO E O RACIOCÍNIO: Entende-se por juízo qualquer tipo de afirmação ou negação entre duas idéias ou dois conceitos. Ao afirmarmos, por exemplo, que “este livro é de filosofia”, acabamos de formular um juízo. O enunciado verbal de um juízo é denominado proposição ou premissa. Raciocínio - é o processo mental que consiste em coordenar dois ou mais juízos antecedentes, em busca de um juízo novo, denominado conclusão ou inferência.

Vejamos um exemplo típico de raciocínio:
1ª) premissa - o ser humano é racional;
2ª) premissa - você é um ser humano;
conclusão - logo, você é racional.

O enunciado de um raciocínio através da linguagem falada ou escrita é chamado de argumento. Argumentar significa, portanto, expressar verbalmente um raciocínio (2).

4. SILOGISMO: é o raciocínio composto de três proposições, dispostas de tal maneira que a terceira chamada conclusão, deriva logicamente das duas primeiras, chamadas premissas. Todo silogismo regular contém, portanto, três proposições nas quais três termos são comparados, dois a dois. Exemplo: toda a virtude é louvável; ora, a caridade é uma virtude; logo, a caridade é louvável (1).

5. SOFISMA: é um raciocínio falso que se apresenta com aparência de verdadeiro. Todo erro provém de um raciocínio ilegítimo, portanto, de um sofisma. O erro pode derivar de duas espécies de causas: das palavras que o exprimem ou das ideias que o constituem. No primeiro, os sofismas de palavras ou verbais; no segundo, os sofismas de idéias ou intelectuais. Exemplo de sofisma verbal: usar mesma palavra com duplo sentido; tomar a figura pela realidade. Exemplo de sofisma intelectual: tomar por essencial o que é apenas acidental; tomar por causa um simples antecedente ou mera circunstância acidental (3).

QUESTÕES

1) O Que significa a palavra lógica?
2) O que se entende por extensão e compreensão do conceito?
3) Conceitue juízo e raciocínio.
4) O que é um sofisma? Dê um exemplo.

TEMAS PARA DEBATE

1) A lógica é boa para o raciocínio, mas mal para a prática. Comente.
2) O todo é sempre a soma das partes?
3) Relacione acidental e essencial.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

(1) SANTOS, T. M. Manual de Filosofia - Introdução à Filosofia Geral - História da Filosofia - Dicionário de Filosofia. 10. ed. São Paulo: Nacional, 1958.
(2) COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia para uma Geração Consciente. Elementos da História do Pensamento Ocidental. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
(3) BAZARIAN, J. O Problema da Verdade. São Paulo: Círculo do Livro, [s. d. p.]

Lógica Formal e Material
PRELIMINARES
Art. II. IMPORTÂNCIA DA LÓGICA É necessário não exagerar nem depreciar a importância da Lógica científica.
1. A Lógica empírica. — Podemos chegar e chegamos muitas vezes à verdade sem o auxílio da Lógica científica, sobretudo quando as operações intelectuais não comportam uma grande complexidade. Neste caso, é suficiente a Lógica espontânea, da qual η Lógica filosófica é tão-somente um aperfeiçoamento metódico, e LEIBNIZ disse com razão que "as leis da Lógica não são mais do que as regras do bom-senso colocadas em ordem e por escrito".
2. A Lógica científica. — Mas se o bom-senso é sempre necessário, nem sempre é suficiente. Se se pode observar espontaneamente as regras de um pensamento correto, temos ainda mais probabilidades de o fazer quando estas regras são conhecidas e familiares. — Além disso, não se trata unicamente de conhecer a verdade: é necessário afastar as dificuldades e refutar os erros, e o bom-senso aí encalha muitas vezes, porque ignora as causas de erro e os processos sofísticos. — Enfim, o bom-senso pode tirar de uma verdade as conseqüências mais imediatas. Mas da mesma forma que não sabe elevar-se aos princípios universais, não sabe descer às conseqüências1 remotas.
A Lógica é então necessária para tornar o espírito mais penetrante e para ajudá-lo a justificar suas operações recorrendo aos princípios que fundam a sua legitimidade.
ART. III. DIVISÃO DA LÓGICA
Vimos (6) que a Lógica quer estabelecer as condições a que as operações intelectuais devem satisfazer para serem corretas. Ora, estas condições podem ser grupadas em duas grandes categorias. Existem, de início, as condições que asseguram o acordo do pensamento consigo mesmo, abstração feita de todo dado particular, de tal sorte que elas sejam válidas universalmente. Existem a seguir as condições que decorrem das relações do pensamento com os objetos diversos a que se pode aplicar. Donde as grandes divisões da Lógica:
1. Lógica formal ou menor. — É a parte da Lógica que estabelece a forma correta das operações intelectuais, ou melhor, que assegura o acordo do pensamento consigo mesmo, de tal maneira que os princípios que descobre e as regras que formula se aplicam a todos os objetos do pensamento, quaisquer que sejam.
Ora, como as operações do espírito são em número de três, a saber: a apreensão, o juízo e o raciocínio, a Lógica formal compreende normalmente três partes, que tratam da apreensão e da idéia, — do juízo e da proposição, — do raciocínio e da argumentação.
2. Lógica material ou maior. — É a parte da Lógica que determina as leis particulares e as regras especiais que decorrem da natureza dos objetos a conhecer. Ela define os métodos das matemáticas, da física, da química, das ciências naturais, das ciências morais etc, que são outras tantas lógicas especiais.
À Lógica maior, podemos ligar o estudo das condições da certeza, assim como dos sofismas pelos quais o falso se apresenta sob a aparências do verdadeiro. Estas questões não se confundem ab-lolutamente com aquelas de que trata a Crítica do conhecimento. Não se cuida, efetivamente, em lógica, senão de definir, de um ponto-de-vista formal, o que são de direito a verdade e o erro e quais são as condições de direito da certeza, enquanto que a Crítica do conhecimento tem por objeto resolver a questão de saber se de fato nossas faculdades de conhecer são capazes de atingir a verdade.
1. Conceitos básicos de lógica
Paulo Ruas
O objetivo da lógica consiste no estudo das formas de argumentação válidas. Esta é uma primeira caracterização abrangente da disciplina e, por essa razão, encontramo-la com frequência em textos introdutórios. Outra maneira de indicar o mesmo objetivo consistiria em dizer que a lógica se interessa pelo estudo de uma classe especial de inferências e que esta classe detém a particularidade de a validade dos espécimes nela representados ficar a dever-se exclusivamente à sua forma.
Convém, no entanto, reconhecer que esta apresentação é um pouco enigmática, sobretudo para quem não tenha já uma ideia aproximada do que se entende por validade, argumento, forma e inferência. O objetivo dos capítulos seguintes é o de facultar a informação mínima indispensável à manipulação destes conceitos e permitir que a sua compreensão intuitiva, se existe, assuma um conteúdo preciso.
2. O que é um argumento? Uma maneira de caracterizar um argumento é a que resulta de se considerarem os seus objetivos gerais. Apesar da diversidade destes objetivos, pretendemos fixar-nos num deles em particular. Simplificando, tem-se um argumento sempre que se pretende justificar o valor de verdade de uma asserção.
Mas o que é uma asserção? Uma asserção é uma frase declarativa empregue para afirmar ou negar algo. Quando, por exemplo, queremos expressar a ideia de que a raiz de 2 não pertence ao conjunto dos números racionais, a frase "A raiz de 2 não é um número racional" representa uma asserção. A distinção entre frases assertivas e frases não assertivas pode ser compreendida facilmente. Para isso, basta confrontar o exemplo anterior com a frase "Ao saíres, fecha a porta cuidadosamente". No primeiro caso atribuímos a um objeto (um número) uma certa propriedade e no segundo formulamos um pedido. A primeira frase é verdadeira, enquanto a segunda não tem valor de verdade. Sempre que uma frase não é verdadeira nem falsa diz-se que não possui valor de verdade.
Mas será que necessitamos de conhecer o valor de verdade de uma frase declarativa para a considerarmos apta a exprimir uma asserção? A célebre conjectura de Goldbach, pela qual qualquer número par é representável como a soma de dois primos, não foi ainda hoje confirmada nem refutada. Não sabemos, portanto, se é verdadeira ou falsa. Admite-se, como pressuposto, que uma destas possibilidades é o caso e esperamos que um bom argumento estabeleça em definitivo o seu valor de verdade. Apesar da simplicidade do seu enunciado, demonstrar que Goldbach tinha razão (ou que estava enganado) não é fácil. Mas, se no futuro essa prova vier a existir, podemos estar confiantes de que se tratará de um exemplo de um argumento matemático particularmente bem sucedido.
Este sucesso é geralmente obtido pela listagem do conjunto de razões em que se apoia a pretensão de que uma determinada asserção é verdadeira ou falsa. Os gregos antigos conheciam já um argumento a favor da ideia de que a raiz de 2 é um número irracional, e esse argumento ainda hoje é tido como um modelo de elegância e rigor. Pelo mesmo motivo, espera-se que uma vez apresentado um certo conjunto de razões, a asserção que se tinha em mente defender seja considerada verdadeira no caso das razões propostas o serem igualmente. A sua verdade é assumida como dependendo, no seu conjunto, de as razões apresentadas serem verdadeiras, associado ao fato de a verdade dessas razões implicar a verdade da tese proposta. Queremos, então, assinalar que a verdade de uma asserção é aceite como consequência da verdade das razões que lhe servem de apoio. Ora, sempre que isto acontece, não é racionalmente admissível aceitar como verdadeiras as razões apresentadas e, em simultâneo, considerar falsa a asserção que essas razões têm em vista suportar.
Um exemplo simples do que acabo de afirmar é o seguinte. Se pretendo defender que os seres humanos são responsáveis pelos atos que praticam voluntariamente, uma maneira eficaz de o fazer é chamar a atenção para o fato de: (i) um ato voluntário ser praticado livremente; (ii) agir livremente significa que estamos em condições de avaliar criticamente as consequências das escolhas efetuadas. Como resulta óbvio, se aceitamos as razões assinaladas em (i) e (ii) não é possível rejeitar a consequência que delas se segue, isto é, que não existem atos voluntários pelos quais os seres humanos que os praticam não sejam também responsáveis. Este exemplo poderia ser complementado com vários outros acerca de diferentes assuntos sem modificar o essencial da situação.
O principal aspecto a sublinhar é o seguinte. A argumentação, no sentido acima referido, é um processo que tem lugar entre sujeitos racionais, destinado a ser avaliado racionalmente. Com isto, queremos excluir outras formas de promover a adesão a ideias ou pontos de vista através do apelo a fatores de ordem emocional, por exemplo, o gênero de recursos vulgarmente utilizados em publicidade. Obrigar alguém a fornecer o acesso à sua conta bancária sob a ameaça de uma pistola não é, obviamente, um argumento, ainda que metaforicamente possamos usar a expressão para qualificar esse tipo de ações. No entanto, a prova de que existe um único número par primo é um argumento que qualquer ser humano suficientemente sofisticado para o compreender aceita sem hesitação. Ora, este fato depende numa larga medida de o argumento ser logicamente bem construído.
Por isso, a análise que nos interessa efetuar incide em exclusivo naqueles aspectos da argumentação que nos permitem decidir de forma inequívoca se determinada asserção se segue realmente das razões propostas em sua defesa. Como nem sempre isto acontece, interessa-nos dispor de um critério que nos permita saber que características possuem aqueles argumentos que estamos em condições de considerar logicamente bem construídos. Uma vez que o objetivo da argumentação é o de fornecer razões para aceitarmos uma asserção como verdadeira (ou falsa), um argumento logicamente bem construído é aquele que torna racionalmente impossível rejeitar a asserção que queremos defender se, em simultâneo, aceitarmos todas as razões propostas em sua defesa. Sempre que este objetivo é alcançado dispomos de bons motivos para discutir com seriedade o seu conteúdo, e a primeira condição para que possamos considerá-lo um argumento bem sucedido foi plenamente alcançado. Entre outros aspectos, é isto que se tem em mente ao ser-nos proposta uma prova racional de que existe um único número par primo, entre diversos outros exemplos.
Admitamos que o sucesso de um argumento depende da verdade das razões apresentadas implicar a verdade da asserção a justificar. Neste caso, o sucesso do argumento reside em tornar manifesto o fato de, caso a lista de razões apresentadas inclua apenas asserções verdadeiras, então, é impossível que a tese a defender seja falsa. Pelo mesmo motivo, se um oponente à nossa asserção permanece teimosamente céptico quanto à verdade do que afirmamos, uma excelente maneira de resistir aos nossos esforços consiste em disputar a verdade de pelo menos uma das razões incluídas na lista. (Uma lista completa de razões pode conter um número qualquer de asserções — por exemplo, uma única.) E se a troca de argumentos tiver como principal objetivo o esclarecimento da verdade, e não fazer valer um ponto de vista particular custe o que custar, é de esperar que a discussão se transfira para a análise das asserções contidas na lista. Isto mostra que uma afirmação proposta como verdadeira pode ser rejeitada caso uma das razões em que se apoia seja falsa.
O que acabo de afirmar permite ilustrar algumas das preocupações que justificam a análise de argumentos.
Admita-se por exemplo que alguém se encontra em posição de defender racionalmente uma certa opção entre diversos regimes alimentares, digamos, o regime vegetariano. É claro que uma pessoa nestas circunstâncias pode evocar vários tipos de razões em defesa da sua preferência e diferentes pessoas podem recorrer a diferentes argumentos. É possível, por exemplo, apresentar argumentos de saúde, religiosos, de gosto, morais, etc. Fixemo-nos para efeitos de ilustração no último caso. Que gênero de argumento pode ser utilizado? Uma possibilidade seria a seguinte. Se defendo que a dor é um mal e que provocar a morte de qualquer ser capaz de sentir implica dor, então, caso pretenda ser coerente, o meu regime alimentar não pode depender da morte desses seres. Que resposta poderíamos esperar de uma audiência pouco motivada para aceitar o ponto de vista indicado?
Este é um exemplo de argumento que não obtém uma aceitação generalizada. Mas isto não significa que esteja mal construído. O simples fato de possuirmos diferentes hábitos alimentares não é por si só um argumento, tal como não o é o fato de não resistirmos a um prato de carne bem confeccionado. Na melhor das hipóteses, estas preferências dispõem-nos a procurar nas razões do nosso amigo vegetariano um ponto fraco que nos permita, de maneira racionalmente defensável, rejeitar a ideia de que deseja persuadir-nos. Ora, esta não é uma tarefa tão simples como parece. Pode até suceder que não consigamos encontrar nelas qualquer ponto fraco e, ainda assim, recusarmos modificar a nossa ementa por motivos de outra ordem, por exemplo, as dificuldades decorrentes da radical alteração dos nossos hábitos alimentares associada à ideia de que se pensarmos seriamente no assunto conseguiremos descobrir um bom contra-argumento que nos permita usufruir de um excelente bife do lombo com a maior tranquilidade de espírito. No entanto, se aceitarmos as razões propostas, parece evidente que esse objetivo não é facilmente alcançável. E rejeitar sem qualquer argumento um determinado ponto de vista não é uma decisão racionalmente meritória.
Ora, é esta característica que nos permite compreender que o fato de um argumento ser logicamente bem construído não depende de a lista de razões apresentadas em benefício de uma dada asserção incluir apenas asserções verdadeiras. Pretende-se sublinhar a ideia de que, caso a asserção que desejamos justificar seja falsa, então, pelo menos uma das razões apresentadas também o é. Nestas circunstâncias, ou as razões apresentadas são insuficientes ou simplesmente não merecem crédito.
Todavia, se perguntarmos convictamente a nós próprios por que motivo isto é assim, se quisermos de fato compreender a razão pela qual num argumento logicamente bem construído a verdade das suas razões implica a verdade da asserção a justificar, começaremos a compreender a preocupação típica da lógica. Compreenderemos, ainda, que os lógicos se encontram acerca de argumentos numa posição análoga à dos cientistas ao interrogarem-se a respeito da composição química da água. Apesar de a água ser a mais vulgar das substâncias, demorou algum tempo até que soubéssemos realmente de que substância se trata. Ora, a pergunta que os lógicos fizeram a si próprios foi: em virtude de que fatores somos racionalmente compelidos a aceitar uma dada asserção e em que circunstâncias podemos estar seguros de que essa asserção é realmente uma consequência de um conjunto de outras asserções? Se a resposta correta for obtida, ficamos a saber algo mais a respeito de nós próprios e do que significa analisar racionalmente os problemas que colocamos.
É verdade que nem sempre somos tão exigentes a respeito de argumentos, pelo menos se pensarmos na atitude que por vezes assumimos perante perspectivas discordantes. De fato, não procedemos à análise cuidadosa das razões propostas e, a maior parte do tempo, limitamo-nos a confiar na intuição. Acontece que a confiança que muitas vezes depositamos na intuição pode ser enganadora e quando se trata de estabelecer um teorema matemático toda a atenção é pouca. A avaliar pelos exemplos disponíveis, são muitas as razões para afirmar que esse cuidado tem sido recompensado.
Um argumento interessante e ilustrativo no domínio da teoria matemática dos conjuntos é o seguinte. Sabe-se que, dados dois conjuntos A e B, A está incluído no conjunto B se todos os elementos que pertencem a A pertencem também a B. Por outro lado, sabemos que o número de elementos do conjunto vazio é igual a 0. Vamos agora provar que o conjunto vazio está incluído em qualquer conjunto.
O argumento baseia-se nas definições de inclusão e conjunto vazio complementadas com algum talento para construir argumentos racionalmente convincentes. Vejamos o que é possível fazer com estes ingredientes.
Procuremos, em primeiro lugar, imaginar o que aconteceria se existisse um conjunto M no qual o conjunto vazio não estivesse incluído. O nosso primeiro passo consiste, portanto, em assumir como hipótese precisamente o contrário daquilo que se quer demonstrar. Perguntemos a seguir o que é necessário para que o conjunto vazio não esteja contido em M. Pela definição de inclusão, ficamos a saber que é necessário que pelo menos um elemento pertencente ao conjunto vazio não pertença a M. Ora, isto não é possível. E não é possível porque o conjunto vazio não tem elementos. Como a única condição para que o conjunto vazio não esteja incluído em M não é satisfeita, o conjunto vazio está necessariamente contido em M. Dado não ser difícil reproduzir o mesmo argumento para qualquer outro conjunto, podemos afirmar que provamos o resultado desejado.
O exemplo precedente é ilustrativo, entre outros aspectos, quanto ao fato de aceitarmos a asserção inicialmente proposta como verdadeira apenas em função de critérios racionais, sem que outro gênero de fatores seja considerado relevante para o efeito. Em geral, esta é a prática que se tem em mente quando discutimos hipóteses e teorias científicas ou filosóficas, mas a utilidade em proceder do modo indicado ultrapassa largamente o que é habitual acontecer nestas áreas do conhecimento. Recorde-se, por exemplo, o papel que os argumentos éticos, políticos ou jurídicos desempenham na vida comunitária. Não se tornará difícil perceber a importância da sua cuidadosa avaliação racional.
Tente agora imaginar o que seria a nossa civilização se o comportamento usual acerca de argumentos fosse a sua aceitação ou rejeição apenas em função de critérios não racionalmente motivados. É claro que não existiria ciência nem qualquer dos benefícios dela decorrentes para a vida comum; não existiria física, nem matemática, nem computadores, rádios, meios de transporte sofisticados e outros artefatos de que estamos em condições de usufruir. Não existiriam regras de conduta nem princípios de decisão que não fossem arbitrários e, em geral, a nossa vida seria bastante confusa e decepcionante, sujeita a todo o tipo de caprichos imprevisíveis. Contudo, seria injusto acusar os lógicos dos males da civilização ou de nos sentirmos culpados quando comemos carne de vaca.
Detenhamo-nos um pouco aqui e regressemos momentaneamente ao argumento do nosso amigo vegetariano.
Um dos méritos de uma análise cuidada reside em mostrar-nos como proceder perante um argumento, e esse mérito é tanto mais admirável quanto maior o grau de complexidade envolvido no argumento. No caso que estamos a analisar, o argumento do nosso amigo vegetariano, parece necessário mostrar que pelo menos uma das razões propostas, se não comprovadamente falsa, é no mínimo discutível. Para isso, é útil dispor o argumento na forma mais clara de modo a facilitar a identificação das razões e a separá-las da asserção a defender. Uma vez concluído este estádio inicial estamos em condições de prosseguir. O argumento do nosso amigo vegetariano apresenta o seguinte aspecto:
A dor é um mal.
Provocar a morte de seres sencientes é causa de dor.
Logo, não devo alimentar-me de seres sencientes.
O leitor atento terá notado que este argumento apela a uma razão não explícita que a lista acima não inclui.
De fato, é necessário assinalar que a análise completa de argumentos obriga à listagem exaustiva das suas razões. Mas nem sempre isto sucede — em particular, se o contexto permite a identificação das razões implícitas. Mas recorrer ao contexto não é uma boa forma de proceder se queremos analisar detalhadamente um argumento e, por este motivo, deixo ao leitor a tarefa de a explicitar.
Esta preocupação pode à primeira vista ser considerada desnecessária. Mas, se desejamos discutir racionalmente um argumento é indispensável ter ideias claras acerca do que se pretende discutir e o primeiro aspecto a ter em conta consiste em determinar exatamente que argumento está a ser apresentado. Em certos casos, confundir a conclusão com alguma das premissas (ou o inverso, se tomarmos como premissa o que é de fato a conclusão), podemos estar a desviar-nos do objetivo, por exemplo, ao combater um argumento muito diferente daquele que realmente nos foi proposto. O mesmo acontece se não tivermos consciência de todas as razões que apoiam a asserção a defender.
Agora que uma situação não tão invulgar como possa parecer foi evitada, podemos colocar as perguntas que realmente importam. Se o leitor for um oponente feroz do ponto de vista que está a ser defendido, basta-lhe, a título de exercício, selecionar pelo menos uma das premissas e argumentar solidamente a favor da sua presumível falsidade. Se for bem sucedido, não se iluda: há melhores argumentos do que este em defesa do regime vegetariano, e bastante mais difíceis de combater.
3. Inferência
Acontece que ao ouvirmos as razões apresentadas por alguém com quem conversamos é possível antecipar o ponto onde o nosso interlocutor pretende chegar antes mesmo de este ter sido indicado.
Ora, aquilo que conseguimos antecipar nas suas palavras consiste na conclusão que delas se segue. Foi precisamente para nos fazer chegar a essa conclusão que durante alguns minutos se esforçou por argumentar em seu benefício. Assim, quando antecipamos a conclusão desejada limitamo-nos a reconstituir por nós próprios o raciocínio que havia conduzido o nosso interlocutor à sua tese inicial. De fato, ao conversar conosco ele estava apenas a esforçar-se por transmitir em voz alta o que antes tinha aceite como verdadeiro (ou falso) em consequência de um conjunto de reflexões por vezes demoradas. As razões por si apresentadas devem ser entendidas como as premissas do raciocínio que efetuou e a ideia que pretendia defender como a sua conclusão. As premissas de um raciocínio são a informação à partida disponível com base no qual se extrai uma conclusão.
Como é óbvio, o fato de termos conseguido antecipar a conclusão desejada não se deve a uma especial capacidade de adivinhação da nossa parte. Casos deste gênero mostram que, dado um certo conjunto de razões (premissas), o auditor atento está em condições de determinar, em parte pelo menos, que consequências resultam das premissas. Sempre que algo de semelhante acontece, podemos estar seguros de que estamos perante um processo de inferência, isto é, aquilo que é habitual designar por raciocínio. Um argumento não é mais que a expressão linguística de uma inferência.
Para compreender isto, basta verificar que não é possível justificar racionalmente asserção alguma se as razões que desejamos ver reconhecidas não sejam comunicadas oralmente ou por escrito. Assim, um argumento pode ser entendido como um conjunto de asserções com algumas características particulares. Formalmente, podemos dizer o seguinte. Dado um certo conjunto de asserções P1, P2, ..., Pn , tal que uma outra asserção Q, não necessariamente diferente de Pn, se segue das primeiras, obtém-se um conjunto K = {P1, P2, ..., Pn } {Q} pelo qual o argumento é exaustivamente representado. Pretendemos com isto sublinhar que uma inferência é um conjunto formado pela união entre dois conjuntos cujos elementos são, respectivamente, as premissas e a conclusão.
Se pensarmos agora no modo como o nosso conhecimento é alcançado verificamos que a única forma de o obter consiste em refletir sobre a realidade (por vezes arduamente) com vista a chegar àquelas conclusões que nos permitem de fato compreendê-la melhor. Acontece que para isso necessitamos de fazer inferências. Assim, quando formulamos um argumento, limitamo-nos a apresentar publicamente as inferências que nos permitiram alcançar as conclusões que realmente alcançamos.
Por outro lado, se sucede que as consequências lógicas decorrentes das nossas inferências nos são imediatamente acessíveis, é bastante mais vasto o número de casos em que não temos uma consciência imediata, nem sequer precisa, de qual a conclusão a extrair de um certo conjunto de informações que julgamos — ou sabemos — carreto. Um exemplo trivial do primeiro gênero é o seguinte. Se possuo a informação de que todos os homens são mortais e que Sócrates é homem, estou autorizado a concluir que Sócrates é mortal. Na verdade, as coisas seriam bastante simples e a lógica um instrumento não excessivamente importante, se a totalidade dos nossos raciocínios fossem deste tipo. Sabemos, no entanto, por experiência própria, ao estudarmos matemática ou física, por exemplo, que os processos que nos conduzem a descobertas importantes são algo mais complexos.
Mas, ainda que todas as nossas inferências fossem tão transparentes que fosse impossível cometer erros lógicos, é um interessante desafio intelectual determinar em virtude de que fatores podemos considerá-las logicamente bem construídas, tal como foi um desafio estimulante para os químicos descobrir que a água é H2O. Apesar da sua utilidade para a vida ser independente de o sabermos ou não, poder satisfazer a nossa curiosidade natural acerca do mundo é por si só um empreendimento gratificante. Qualquer instrumento capaz de fazer progredir esta curiosidade é não apenas desejável como contribui à sua maneira para que façamos também justiça às nossas capacidades racionais.
De fato, ficamos a saber bastante mais acerca de um assunto de que estejamos a tratar se formos capazes de refletir sobre ele corretamente do que ficaríamos se esta tarefa se revelasse impossível. Como é óbvio, a forma de progredir racionalmente numa investigação não consiste em adivinhar a resposta correta para os problemas que nos interessam ver esclarecidos mas antes descobri-la. Exigimos, portanto, não uma qualquer resposta mas uma resposta cuja verdade seja racionalmente satisfatória — que possa ser testada, entre outras coisas, pelo conjunto das suas consequências. O tipo de teste que os lógicos têm em vista baseia-se no seguinte princípio. Se, ao assumirmos uma determinada hipótese formos conduzidos a uma conclusão que sabemos ser falsa, e se a inferência que efetuamos for válida, então a hipótese donde partimos não pode ser verdadeira. Este é um princípio unanimemente utilizado na análise de teorias científicas e também quotidianamente.
No entanto, nem todas as inferências que estamos em condições de realizar, e das quais o nosso conhecimento depende, recaem sob o âmbito da lógica. A jurisdição da disciplina obedece a um limite preciso, pelo menos na opinião da maioria das pessoas que estudam o assunto. Não há, por exemplo, razões de ordem estritamente lógica que permitam garantir que inferências cujas premissas resultem de dados recolhidos experimentalmente e a conclusão seja uma generalização desses dados (por exemplo, quando concluímos que todas as esmeraldas são verdes com base no fato de os exemplares que observamos até hoje o serem), tenham a característica de, caso as premissas sejam todas verdadeiras, seja impossível a falsidade da conclusão. Este é um exemplo de inferência indutiva e a análise deste tipo de inferências é efetuada fora do âmbito da lógica, em geral, no quadro do cálculo de probabilidades e em epistemologia. As inferências de que se ocupa a lógica, cujo tipo particular inclui todos os exemplos fornecidos até ao momento exceto o último, são designadas dedutivas. (As importantes diferenças entre indução e dedução serão mais tarde consideradas.)
De momento, convém assinalar que o interesse da lógica por este gênero de inferências decorre de, ao invés dos restantes tipos de inferência, possuírem a propriedade de serem válidas em virtude da sua forma.
4. Validade
Todos os seres humanos têm algo a dizer sobre a realidade que os rodeia e um conjunto de crenças (nem sempre verdadeiras) acerca do mundo que pretendem transmitir e partilhar com os seus próximos. É vulgar que dessas crenças se sigam certas conclusões cuja justificação para serem aceites como verdadeiras (ou falsas) envolve determinar com clareza em que medida são uma consequência de que premissas. Ainda que não caiba à lógica estabelecer critérios para aceitar uma proposição como verdadeira, compete-lhe esclarecer em que medida uma proposição é uma consequência de um certo conjunto de outras proposições. Caso o veredicto seja negativo algo exige revisão.
Este fato permite explicar o interesse de algumas pessoas particularmente conscientes da importância da argumentação em propor um método que permitisse determinar as circunstâncias em que uma inferência merece ser considerada válida. A primeira pessoa a fazê-lo de uma forma sistemática foi Aristóteles, um filósofo grego da Antiguidade. O seu exemplo foi seguido por vários outros filósofos, entre os quais um lógico medieval português chamado Pedro Hispano. Durante o século XX o tema sofreu um desenvolvimento imenso devido, em particular, à descoberta da lógica moderna por Frege.
Na verdade, o estudo da lógica desenvolveu-se em torno de uma ideia principal: a ideia de validade. Esta é uma ideia notável porque nos permite compreender, entre outras coisas, a razão pela qual, em certas circunstâncias, podemos confiar nas conclusões a que chegamos ao efetuar uma inferência. Dado que o conceito de validade tal como empregue pelos lógicos foi amplamente utilizado nos capítulos anteriores em associação com o conceito de argumentação, resta-nos dar a sua definição.
Diz-se que um argumento é válido na circunstância em que: se as suas premissas são todas verdadeiras, então a conclusão não pode ser falsa. Vejamos agora algumas consequências que se seguem da definição.
O primeiro aspecto a sublinhar é o seguinte. Não podemos estar certos de que, partindo de premissas verdadeiras, alcançamos uma conclusão verdadeira a menos que a inferência efetuada seja válida. Vejamos um pouco melhor este aspecto decisivo. Se pensarmos que numa inferência se pretende que a conclusão seja uma consequênca das premissas, torna-se evidente que a única forma de o garantir consiste em raciocinar validamente. Garantimos também que se as premissas forem verdadeiras, a verdade da conclusão é uma consequência da verdade das premissas. Este é um aspecto importante porque implica que ao raciocinarmos validamente, a validade preserva a verdade das premissas — digamos, transferindo-a sem danos colaterais para a conclusão. Não corremos, portanto, o risco de chegar a conclusões falsas a partir de premissas verdadeiras. Esta característica permite afirmar que o argumento que estabelece a propriedade de o conjunto vazio estar incluído em qualquer conjunto é convincente. Ele prova-nos que é realmente assim que as coisas se passam.
Mas, se quisermos avançar com segurança, é necessário possuir uma ideia precisa acerca dos conceitos principais envolvidos na definição de validade. Como vimos, a validade foi definida à custa do conceito de possibilidade. Dissemos que, se as premissas são todas verdadeiras, então, é impossível que a conclusão seja falsa. O nosso problema consiste em determinar exatamente o que entendemos por possibilidade. Na verdade, nem sempre se tem consciência de que existem vários tipos de possibilidade. Uma vez discriminados os diferentes sentidos em que este termo é utilizado, estaremos finalmente em condições de apreciar o que se pretende dizer quando falamos em validade.
Observemos os seguintes exemplos: (i) Existem triângulos cujo número de ângulos internos é igual a 4; (ii) Talvez no futuro uma nave consiga viajar mais depressa que a velocidade da luz. O que há de surpreendente nestes exemplos? Bem, não é simplesmente possível que um triângulo tenha 4 ângulos internos, tal como não é possível que um corpo se movimente a uma velocidade superior à da luz. Mas a diferença entre (i) e (ii) reside na razão pela qual isto não é possível. Se nos perguntarmos em virtude de que fatores (i) e (ii) exprimem impossibilidades, verificamos um fato crucial.
Consideremos (ii). A impossibilidade de um corpo se deslocar mais depressa do que a velocidade da luz é o resultado das leis da física. Estas leis refletem o modo como o mundo está constituído e é a própria organização da matéria que torna (ii) impossível. Se o leitor sugere que a extraordinária evolução científica e tecnológica do último século justifica que, num futuro talvez muito distante, uma nave esteja em condições de realizar a proeza indicada, bem, sucede que está enganado. Talvez as leis da natureza pudessem ser logicamente diferentes do que são e, se fossem do gênero apropriado, isso podia acontecer. Ora, o fato de considerarmos (ii) impossível decorre do modo como o mundo é. Digamos, então, que possuímos sólidas razões empíricas para afirmar (ii) impossível.
Vejamos agora o primeiro caso. A impossibilidade expressa em (i) não depende de qualquer lei da natureza da qual tenhamos conhecimento. Este fato não exige conhecimento algum acerca do mundo; é, se quisermos, algo que podemos saber sem recorrer à experiência. Trata-se, pois, de um conhecimento a priori. Na verdade, sabemos que (i) é impossível baseados no fato de sermos pessoas linguisticamente competentes, isto é, apenas porque conhecemos o significado da palavra "triângulo". Se sabemos o que significa "triângulo", sabemos ainda que se algo possui 4 ângulos internos, então, não é um triângulo. Admitir o contrário conduziria a uma contradição. O mesmo sucede com a frase "Alguns solteiros são casados". Esta frase é obviamente contraditória dado que "solteiro" significa precisamente não ser casado. Portanto, (ii) é impossível por razões semânticas e não empíricas.
Ora, não existe contradição em viajar mais depressa que a velocidade da luz. Apesar de ser fisicamente impossível, (ii) não é logicamente impossível. Mas se o leitor admitiu que as leis da natureza poderiam ser diferentes do que realmente são, isso deve-se ao fato de admitir que um mundo diferente do mundo atual não é logicamente impossível. No entanto, isto não significa que tudo aquilo que conhecermos apenas em virtude da observação seja contingente. Mas se algo é logicamente impossível é também empiricamente impossível. É fácil imaginar um mundo no qual Wellington tivesse sido derrotado em Waterloo mas não conseguimos imaginar alguém solteiro e casado. A menos que o significado de "solteiro" mude radicalmente, é inútil investigar se alguém está nessas condições. Em contrapartida, a competência linguística não é suficiente para provar que E = mc 2.
Sucede (não é uma surpresa) que o sentido de possibilidade que interessa aos lógicos não é o de possibilidade física. Na verdade, a lógica não tem interesses diretos a respeito do mundo mas apenas acerca da maneira como fazemos inferências. Logo, dado um argumento, a pergunta é: será logicamente possível que as circunstâncias que tornam as premissas todas verdadeiras tornem falsa a conclusão? Que esta possibilidade seja o caso é suficiente para declarar inválido o argumento.
Este é um resultado crucial pela seguinte razão. Encontramo-nos, finalmente, em condições de esclarecer a razão qual a verdade não implica falsidade. Se se dá o caso de ser logicamente impossível que um argumento válido contenha premissas verdadeiras e conclusão falsa, o fato de a validade preservar a verdade não é uma característica acidental desse argumento. Sabemos agora que o contrário é logicamente impossível com base no mais forte tipo de possibilidade que observámos. Por outro lado, o facto de uma inferência ser válida não depende do modo como o mundo é.
Usamos a seguinte notação para indicar os argumentos válidos: P1, P2, ..., Pn Q , onde o símbolo " " indica que a conclusão é uma consequência (semântica) das premissas listadas à esquerda.
Esta forma de representar um argumento válido é utilizada independentemente do valor de verdade das suas premissas e conclusão. De fato, existem argumentos válidos cujas conclusões são falsas. Note-se que a definição de validade é da forma "se... então..." e limita-se a indicar que condição exige ser satisfeita para que a impossibilidade da conclusão de um argumento ser falsa se verifique. Ora, esta condição é a de que todas as premissas sejam verdadeiras. E, como vimos antes, nem sempre isto acontece. Mas, se essa condição não for satisfeita, deixa de haver razões para exigir a impossibilidade de a conclusão ser falsa. Aliás, é com base na definição de validade que se torna possível pôr em causa a verdade da conclusão de um argumento logicamente bem construído sem duvidar que a conclusão se siga realmente das premissas que constituem o seu ponto de partida.
Isto mostra que ainda que a conclusão de um argumento seja uma consequência das suas premissas daí não se segue que essas premissas são verdadeiras. Acontece apenas que no caso de o serem, uma conclusão falsa não pode ser a sua consequência lógica. Como vimos, premissas verdadeiras não implicam uma conclusão falsa.
Ora, se um argumento é inválido, a conclusão não resulta das premissas, isto é, unicamente à custa da sua forma lógica. Daí a inutilidade lógica destes argumentos. Como não existe entre premissas e conclusão uma relação de consequência lógica, a verdade das premissas não nos obriga a aceitar a conclusão.
Imagine o leitor que tem conhecimento de um familiar ou amigo que deseja comprar uma casa e que essa pessoa (digamos, o António), a última vez que se encontraram, lhe disse "Se as taxas de juro baixarem compro uma casa no litoral". Imagine também que, algum tempo depois, o António comprou uma casa. Se concluir que a taxa de juro baixou, a sua inferência não é válida. Este pode ser um resultado surpreendente. Muitas pessoas aceitariam o argumento sem hesitar, ainda que, ao fazê-lo, cometam um erro lógico bastante elementar. Tudo quanto necessitamos é verificar por que motivo é assim.

O argumento deixa-se representar pelo seguinte conjunto de asserções.
Se as taxas de juro baixarem, António compra uma casa no litoral.
António comprou uma casa no litoral.
Logo, as taxas de juro baixaram.
O que há de errado neste argumento? Aparentemente, nada. Mas, se é realmente inválido, pela definição de validade segue-se a possibilidade de ambas as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Uma análise pormenorizada mostra que é isto que acontece. Este ponto justifica uma análise detalhada.
Basta pensar na hipótese de António ter recebido uma herança, ter sido recompensado por um bom negócio ou ter ganho o primeiro prémio do Totoloto, para se compreender o que está em causa. Como estas possibilidades são compatíveis com o fato de as taxas de juro permanecerem estáveis ou até terem subido (casos que tornariam falsa a conclusão), a inferência é inválida. De fato, a primeira premissa afirma que a baixa das taxas de juro é uma condição para que António compre uma nova casa, não afirma que a satisfação do desejo de António condiciona a descida dos juros. Este exemplo mostra-nos em que medida raciocinar invalidamente tem consequências desagradáveis.
Um leitor menos disposto a aceitar o resultado da análise precedente poderá interessar-se por colocar a seguinte objeção: que aconteceria, numa situação igualmente hipotética, se a taxa de juro tivesse de fato baixado? Não estaríamos, nesse caso, perante premissas verdadeiras e conclusão verdadeira? A resposta é: claro que sim. No caso hipotético descrito a conclusão seria verdadeira. Mas, se o leitor desejar prosseguir nesta linha e defender que a inferência acima pode ser válida em certas circunstâncias, ainda que inválida noutras, comete um erro. Vejamos a razão pela qual isto sucede.
Imagine, por exemplo, que não se lembra onde guardou um par de sapatos que lhe apetece calçar num dado momento. A sua atitude será a de tentar recordar-se e, se não o conseguir, de o procurar onde habitualmente os sapatos são guardados. Imagine agora que a sua investigação foi tão meticulosa que os procurou em todos os lugares da casa onde verosimilmente poderiam ter sido guardados, sem o conseguir. Ao fim de algum tempo acabou por desistir. Imagine ainda que foi tomar o pequeno-almoço particularmente irritado com a sua memória mas decidido a esquecer o assunto. E imagine, por exemplo, que durante o pequeno-almoço os seus pés chocam debaixo da mesa com um objeto indeterminado. Ao curvar-se na cadeira encontra os sapatos que tinha desistido de procurar.
Que conclusão extrai desta história? Que encontrou os sapatos por acaso. Não, é claro, em consequência de uma investigação deliberada. Retomemos o nosso argumento. Tal como obteve o que pretendia em função do acaso e não em consequência de uma procura intencional, também na inferência acima a verdade da conclusão, caso o seja, não é uma consequência da verdade das premissas. A descida da taxa de juro não é, de todo, uma consequência da informação que possui acerca do António. Donde, a conclusão — ainda que eventualmente verdadeira — não se segue do conjunto de premissas
Se um argumento é válido, isso quer dizer que não há qualquer circunstância em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Logo, não faz sentido dizer que um argumento é inválido numas circunstâncias e válido noutras.
Exibimos um argumento em que a conclusão não se segue das premissas. De fato, nada se segue desse conjunto de premissas. Logo, porquê comprometermo-nos com a verdade de uma asserção que não é uma consequência da informação que possuímos e sabemos correta, ainda que pareça sê-lo? Nada nos obriga a fazê-lo. Tal como a teoria de Copérnico representou para a física o primeiro passo decisivo que nos permitiu não confundir o movimento aparente do Sol com a realidade, algo de semelhante sucede a respeito de inferências. Não é sequer demasiado difícil indicar um bom número de exemplos onde a fronteira entre um argumento válido e um argumento logicamente mal construído não permite ser traçada sem a ajuda de instrumentos especializados construídos para o efeito. Foi este, aliás, o principal motivo para o desenvolvimento sistemático da disciplina.
Outra consequência interessante da definição de validade é que existem argumentos válidos com premissas falsas e conclusão verdadeira. Uma característica notável acerca de validade é a seguinte. Num argumento válido a verdade das premissas é preservada na conclusão. Contudo, se existem argumentos válidos cujas premissas são falsas e a conclusão verdadeira, a falsidade das premissas não é preservada na conclusão.
Ora, apesar de existirem argumentos válidos com premissas e conclusão falsas, o fato de sabermos que a conclusão de um argumento válido é verdadeira não permite concluir que todas as suas premissas sejam igualmente verdadeiras. De fato, pode suceder qualquer das seguintes duas possibilidades: (i) todas as premissas do argumento são falsas; (ii) pelo menos uma das premissas é falsa.
Vejamos um caso ilustrativo do primeiro gênero.
As girafas alimentam-se da carne de outros animais.
Os seres que se alimentam da carne outros animais são mamíferos.
Logo, as girafas são mamíferos.
Até um leitor momentaneamente distraído está em condições de verificar que a conclusão do argumento acima é realmente uma consequência das premissas. No entanto, as premissas são ambas falsas (as girafas são animais herbívoros e há animais, como as cobras, que incluem carne na sua ementa e não são mamíferos), enquanto a conclusão é verdadeira. Ora, este não é, apesar de válido, um bom argumento. É óbvio que as razões listadas em (1) e (2), por serem falsas, não permitem justificar a conclusão.
O número de casos em que algo de semelhante pode acontecer é ilimitado. À primeira vista trata-se de um resultado decepcionante, em particular se o leitor foi levado a admitir que o facto de um argumento ser válido é suficiente para garantir a verdade da conclusão. Mas esta exigência não é salutar nem indispensável. De fato, ela é impossível de satisfazer, e não podemos acusar a lógica de ficar aquém de expectativas incorretas. Garantir em que circunstâncias uma inferência é válida é apenas um primeiro passo para que valha a pena discutir as razões a que um argumento faz apelo.
Esta é uma exigência sensata. Porquê perder tempo a discutir razões quando se dá o caso de não implicarem a conclusão? Quanto muito, podemos chamar a atenção do nosso interlocutor para este fato e esperar que o ponto seja aceite. Se isto acontecer, há ainda a possibilidade de o argumento ser reformulado do modo conveniente após alguma reflexão suplementar. Ao proceder assim ganhou-se em clareza e rigor o que, momentaneamente, pôde parecer uma simples perca de tempo. Noutros casos, ganhou-se o fato de deixar cair um ponto de vista para o qual não se possui razão alguma.
Convém, portanto, distinguir os conceitos de validade e de correção. Diz-se que um argumento é correto se, caso seja válido, todas as suas premissas são verdadeiras. Não existem argumentos corretos inválidos.
Isto não significa, todavia, que todos os argumentos válidos com premissas verdadeiras são bons argumentos. Existem argumentos válidos cujas premissas e conclusão são verdadeiras sem que esta característica seja suficiente para os tornar realmente convincentes. Um exemplo típico seria o seguinte.
O quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos.
Logo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos.
Parece claro que se Pitágoras tivesse proposto este argumento como prova do seu célebre teorema, dificilmente alguém o aceitaria. Trata-se, no entanto, de um argumento válido. Para isso basta compreender que se a premissa for verdadeira é impossível que a conclusão seja falsa (na verdade, ambas possuem o mesmo conteúdo). Tem-se, assim, que a validade de um argumento não é uma condição necessária nem suficiente de verdade. Não é uma condição suficiente porque não basta um argumento ser válido para que a sua conclusão seja verdadeira. E não é igualmente uma condição necessária de verdade uma vez que existem argumentos inválidos com conclusões verdadeiras.
Uma apresentação sinóptica do que acaba de ser indicado é a seguinte.
Premissas Conclusão Validade
Verdadeiras Verdadeira SIM
Verdadeiras Falsa NÃO
Falsas Verdadeira ou Falsa SIM
5. Forma lógica
Os fatos que acabamos de relatar acerca de validade permitem afirmar que a validade de uma inferência é independente do valor de verdade das asserções que a constituem. Em função do que foi dito acima, este não pode ser considerado um resultado demasiado surpreendente. De que depende, então, a validade de um argumento? A nossa tarefa reside em fornecer a resposta a este problema.
Para isso, é necessário considerar a distinção entre forma e conteúdo. Vejamos os aspectos preliminares envolvidos.
Consideremos as seguintes duas sequências de símbolos: (i) "Gramut begnet yassur" (ii) "A neve é branca". Uma vez que acabo de inventar a primeira, a distinção básica a estabelecer entre ambas as sequências é que apenas a segunda tem conteúdo. Com isto, pretende-se afirmar que o conteúdo de uma sequência de símbolos (neste caso uma frase do português) consiste no seu significado. Na realidade, se pretendo afirmar ou negar algo, é necessário que a minha asserção tenha significado.
Ora, um facto notável a respeito do significado de uma asserção é que a sua verdade ou falsidade lhe está intimamente associada. Sucede que uma sequência de símbolos desprovida de significado é inutilizável como asserção e também para outros efeitos. Vejamos agora o caso de (iii): "La neige est blanche". É claro que (ii) e (iii) têm o mesmo significado, respectivamente, em português e francês. Este facto permite-nos pensar que ao afirmarmos serem ambas as frases verdadeiras pretendemos dizer que uma frase é verdadeira ou falsa em função do seu conteúdo e não da sequência particular de símbolos que a constitui. Mas, se uma frase é verdadeira ou falsa em virtude do seu conteúdo, é ao conteúdo que a propriedade de ser verdadeiro se aplica, não à frase enquanto tal.
Detenhamo-nos um pouco aqui. É fácil verificar que o significado de (ii) não coincide com o significado das suas partes componentes isoladamente consideradas. Há um número ilimitado de frases com diferentes significados onde as expressões "neve" e "brancura" podem ocorrer. Uma e outra representam propriedades, isto é, características que certos objetos exemplificam num ou noutro momento — digamos, a característica de um certo agregado de H2O ser neve e de esta folha de papel onde se sucedem as palavras que escrevo ser branca. Mas (ii) e (iii) retiram o seu significado do fato de os predicados que representam estas propriedades se encontrarem associados de certa maneira. Estes predicados estão associados de maneira a representarem um pensamento particular, isto é, o pensamento que a neve é branca. Torna-se, portanto, evidente que representar uma propriedade é diferente de exprimir um pensamento, algo que apenas uma frase completa pode fazer.
Ora, o significado de uma frase declarativa consiste na proposição expressa pela frase. Esta distinção pode ser captada considerando: (a) "António acredita que a neve é branca"; (b) "Richard crois que la neige est blanche". A nossa intuição é que António e Richard acreditam na mesma coisa. Mas que coisa? Ambos acreditam que "A neve é branca" e "La neige est blanche" são frases verdadeiras.
Vejamos. A relação de crença que (a) e (b) atribuem respectivamente a António e a Richard é algo que tem lugar entre indivíduos e frases ou entre indivíduos e proposições? Se quisermos manter a ideia intuitiva de que ambos acreditam na mesma coisa, então, é necessário concluir que a relação se verifica entre indivíduos e proposições, não entre indivíduos e frases. Como as frases são diferentes, se a relação fosse a segunda, é evidente que António e Richard não acreditariam na mesma coisa. Segue-se, então, que duas frases exprimem a mesma proposição se, e apenas se, são sinónimas.
Que importância pode ser atribuída a estes fatos? À primeira vista, a distinção resulta um pouco acadêmica e rebuscada na terminologia sem que o resultado iluda alguma trivialidade. No entanto, ao falarmos em proposições para nos referirmos ao conteúdo de asserções permite-nos retomar um aspecto já referido acerca de argumentos. Quando declaramos válido um argumento queremos dizer que as proposições expressas pelas premissas implicam a proposição expressa pela conclusão. Assim, o conceito de validade aplica-se a uma certa relação que se verifica entre o conjunto de proposições que constituem o argumento, não às asserções que as exprimem. Ora, a análise que efetuamos de (ii) e (iii) aplica-se também a diferentes representações linguísticas do mesmo argumento (verificamo-lo traduzindo qualquer dos argumentos já apresentados para outra língua). Daí que seja mais correto tratar os argumentos como conjuntos de proposições, não de frases ou asserções.
Vejamos agora outro aspecto decisivo. Considerem-se as seguintes duas frases: (c) Platão é grego; (d) Descartes é francês. Alguma atenção permite-nos verificar que apesar de diferentes significados (exprimem diferentes proposições) estas frases possuem a mesma forma. Trata-se de frases da forma sujeito-predicado, pela qual uma certa propriedade (expressa pelo predicado) é atribuída a um sujeito, respectivamente, Platão e Descartes. É evidente que nem todas as frases têm esta forma mas o exemplo é suficiente para ilustrar o que se pretende. Ora, de que maneira poderemos representar este fato? Bem, dado que é a forma que desejamos trazer à superfície, a melhor maneira de proceder consiste em abstrair do conteúdo, fato que se obtém substituindo nome e predicado por símbolos convencionalmente adotados para o efeito. Fica-se, então, com o esquema: x é P . Na linguagem específica da lógica este fato é representado do seguinte modo canônico.
P (x)
Esta maneira de representar frases da forma sujeito-predicado permite-nos visualizar com bastante economia e clareza o fato de possuírem um padrão comum. Na verdade, x representa qualquer objeto ou indivíduo a denotar por um nome próprio e P representa qualquer predicado pelo qual seja atribuível ao objeto relevante uma certa propriedade. Donde, não apenas (c) e (d) são exemplificações do padrão indicado, como qualquer outra frase do mesmo tipo constitui uma instância, ou caso particular, desse padrão. Vejamos de que modo esta característica é extensível a outro tipo de frases.
Considerem-se os seguintes exemplos: (e) Os portugueses são europeus; (f) Os chineses são asiáticos. Ao contrário dos exemplos precedentes, (e) e (f) não são frases constituídas por sujeito e predicado. Na verdade, ao afirmarmos que os portugueses são europeus não estamos a referir indivíduos particulares; estamos a afirmar uma relação entre duas classes ou conjuntos. É claro que esta relação envolve indivíduos mas apenas enquanto membros de uma classe ou como elementos de um conjunto, não enquanto sujeitos determinados. De fato, o que (e) e (f) afirmam é que uma certa classe, respectivamente, a classe dos portugueses e a classe dos chineses, está incluída noutra, isto é, pela ordem indicada, a classe dos europeus e a classe dos asiáticos. Usando o símbolo " " para representar a relação de inclusão entre classes, o padrão comum a (e) e (f) é o seguinte.
P Q

De fato, é bastante vasto o número de frases cuja forma pode ser representada como se indica acima.
Quando, por exemplo, dizemos que os números naturais são um sub-conjunto dos racionais formulamos uma asserção cuja forma se deixa também representar pelo mesmo padrão (basta para isso substituir P e Q pelos símbolos matemáticos adequados). Este resultado pode ainda ser generalizado: consoante a sua estrutura, determina-se um padrão do qual a frase é uma instância particular. Esta estrutura exibe a conexão lógica que mantém ligados os elementos que compõem o seu significado.
Indo um pouco mais longe, podemos agora substituir a linguagem da teoria dos conjuntos pela linguagem típica da lógica — na qual, de resto, o conceito de inclusão é representável. Para o conseguirmos basta-nos considerar a definição de inclusão já referida e verificar ser esta a ideia expressa por (e) e (f). Iremos proceder para esse efeito à substituição de P pelo conjunto dos portugueses e Q pelo conjunto dos europeus; em seguida, façamos o mesmo com o conjunto dos chineses e dos asiáticos. A que conclusão chegamos? Bem, à conclusão de que um conjunto está incluído no outro, isto é, que todos os elementos do primeiro conjunto são também elementos do segundo.
Todavia, (e) e (f) contêm um elemento com o qual não fomos ainda confrontados: trata-se da expressão "todos". Esta expressão não é claramente um predicado. A sua função é a de indicar universalidade.
Daí a necessidade encontrar uma forma de representar a ideia de universalidade para obter uma primeira aproximação ao padrão lógico desejado. Com este objetivo, vamos socorrer-nos do símbolo "∀". Em conjunção com um símbolo capaz de representar um indivíduo qualquer, digamos x, obtém-se: (Para todo o x)[se x é português, então, x é europeu]. Aplicando esta técnica a (e) temos: (∀x)[se x é chinês, então x é asiático]. Este, no entanto, é apenas um passo intermédio e não uma representação inteiramente satisfatória de um ponto de vista lógico da forma de cada uma destas frases.
Uma maneira de se avançar um pouco mais na direção pretendida consiste em verificar, por exemplo, que "x é português" é uma frase já semi-formalizada do tipo sujeito-predicado. O mesmo sucede com "x é europeu". Visto que já sabemos como representar frases com esta forma, tem-se o seguinte resultado: (∀x)[se P(x) então, Q(x)]. Para obtermos uma formalização completa de (e) e (f) resta estipular um símbolo para representar a expressão portuguesa "se..., então ...". Os lógicos designam frases com esta forma por condicionais e adotaram uma seta para exprimir a relação.
Estamos, finalmente, em condições de exibir o padrão comum a (e) e (f).
(∀x)[P(x) → Q(x)]
Retomemos agora o nosso objetivo inicial. Pretendíamos saber em virtude de que fatores um argumento é válido. Ora, a validade de um argumento não depende do valor de verdade das proposições que o constituem. A validade depende apenas da relação que se verifica entre essas proposições.
Não existem demasiadas opções. Na verdade, existe uma única. Um argumento é válido em virtude da sua forma. Para compreender isto basta que considerar cuidadosamente os seguintes exemplos de argumentos.
Exemplo 1
Todos os matemáticos são racionalmente competentes.
João é matemático.
Logo, o João é racionalmente competente.
Exemplo 2
Todos os ziglibdin são estrelas cadentes de alta intensidade.
MX 14 é um ziglibdin.
Logo, MX 14 é uma estrela cadente de alta intensidade.
Vimos acima de que modo é possível determinar a forma lógica de uma proposição. Para isso, recorremos a um simbolismo específico, isto é, uma linguagem artificial que foi construída para esse efeito. No entanto, dada o grau de complexidade da linguagem utilizada, é aconselhável para o que temos em mente ilustrar recorrer agora a uma formalização mitigada sem alterar com esta decisão o objetivo.
Na verdade, não existe uma só linguagem disponível para formalizar proposições. Vejamos, então, como proceder.
Uma análise atenta destes exemplos permite compreender em que medida a forma lógica é determinante para a sua validade. Em ambos os casos, a conclusão proposta é uma consequência das premissas. Apesar de ninguém saber o que é um ziglibdin nem que objeto "MX 14" designa, sendo as premissas o que são, é logicamente impossível que a conclusão seja falsa. Como nada sabemos a respeito do seu conteúdo, a única explicação para aceitarmos E2 é a que resulta de se considerar a sua forma.
Tem-se, então, que E1 e E2 partilham o seguinte padrão comum.
Todo o A é B.
x é A.
Logo, x é B.
Apesar de várias insuficiências, esta maneira de representar a forma lógica dos exemplos precedentes permite mostrar que qualquer que seja a interpretação dada a A, B e x se obtém um argumento válido.
Vejamos ainda outro caso.
Exemplo 3
Todos os australianos falam inglês corretamente.
Jimmy é australiano.
Logo, Jimmy fala inglês corretamente.
Como é óbvio, este não é o único padrão de inferência válido. No entanto, um argumento que exemplifique o padrão acima indicado resulta válido independentemente das proposições que o constituam.
Conversamente, para provar que uma forma é inválida é suficiente mostrar que existe uma interpretação, isto é, uma instância particular dessa forma, pela qual as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa. Se nos dermos ao trabalho de voltar à página 8 verificamos ser este o caso do exemplo aí proposto. Usando o expediente da formalização, concluiu-se que toda a inferência com esse padrão lógico é inválida.
Assim, se representarmos pelos símbolos "A" e "B", respectivamente, as frases "As taxas de juro baixam" e "António compra uma casa no litoral", estamos em condições de determinar a forma lógica do argumento.
A → B
B
Logo, A
Estamos agora em condições de justificar o objetivo inicialmente proposto para os estudos lógicos. De fato, este objetivo consiste em determinar quais os padrões de inferência válidos de maneira a permitir um escrutínio rigoroso das inferências que efetuamos, bem como das regras de inferência que podem ser utilizadas caso se deseje preservar a validade dos argumentos que construímos para provar asserções. Pelo que acabamos de observar, a intuição não é em muitos casos suficiente.
Com o primeiro objetivo em mente, os lógicos construíram linguagens artificiais do gênero indicado de modo a representarem formalmente argumentos expressos nas diferentes linguagens naturais (o português, o inglês, o polaco, etc.) e também na linguagem vulgarmente utilizada em matemática.
Em simultâneo, dedicaram-se ao estudos destas linguagens e sistemas formais com vista ao esclarecimento das suas propriedades. Este é um domínio particularmente importante da lógica devido às características do seu objetivo principal. Na verdade, se se pretende estudar as formas de inferência válidas recorrendo à formalização de inferências expressas na linguagem natural ou na linguagem da matemática, é importante, por exemplo, mostrar que essas linguagens não dão origem a contradições.
6. Consistência, inconsistência e contradição
Utilizamos o conceito de validade para nos referirmos a uma propriedade que as inferências possuem. Podemos agora acrescentar que não existem argumentos verdadeiros, tal como não há argumentos falsos. Este modo de nos expressarmos é talvez habitual em circunstâncias informais mas traduz uma má compreensão acerca do que é um argumento. Um argumento não afirma ou nega seja o que for. Quanto muito, permite justificar a pretensão de uma proposição à verdade. O que não é a mesma coisa. E reservamos os predicados "válido" e "inválido" para serem aplicados apenas a inferências.
Ora, verificamos que o conceito de validade foi definido à custa do conceito de possibilidade lógica. Vamos agora mostrar de que modo a propriedade de um argumento ser válido se deixa definir recorrendo ao conceito de consistência. O objetivo é aprofundar as relações que obtêm entre validade e verdade.
Recorde-se que um argumento pode ser representado como a união de dois conjuntos de proposições, digamos, {P 1, P 2, ..., P n} {Q }. Em complemento, caso o argumento seja válido, denotamos este fato colocando um símbolo apropriado a ligar um conjunto ao outro. Podemos agora dizer que, se o argumento é válido, então, o conjunto união pelo qual se deixa representar é consistente.
Vejamos então o que se entende por consistência. Uma definição de consistência pode ser formulada do seguinte modo: dado um conjunto K de proposições, tal que K = {P 1, P 2, ..., P n}, K é consistente se e somente se existe uma interpretação de todas as P i que pertencem a K pela qual resultem verdadeiras. Quando isto acontece diz-se que K tem um modelo. Conversamente, K é inconsistente se não existe uma interpretação pela qual as P i pertencentes a K resultam todas verdadeiras.
A aparência um pouco assustadora da definição pode ser consideravelmente suavizada se recorrermos a exemplos.
Vejamos o primeiro. Faça-se representar pelo símbolo A1 a frase "Todos os portugueses são boas pessoas". Represente-se ainda por A2 a frase "Nenhum português é boa pessoa". Para concluir, formemos um conjunto K cujos dois únicos elementos são as nossas duas frases. Deste modo, tem-se K = {A1 , A2}. Uma vez concluída esta fase preliminar, coloquemos a nós próprios a seguinte questão: será K um conjunto consistente? A resposta é não. Vejamos em detalhe quais as razões deste fato.
Admitamos que A1 é uma proposição verdadeira. Ora, é claro que nesta circunstância A2 tem que ser falsa. Assim, A1 e A2 não podem ser ambas verdadeiras nesta interpretação. Admitamos agora que A2 é verdadeira. Que acontece neste caso? Se A2 for verdadeira, então A1 é falsa. Logo, não existe qualquer atribuição de valores de verdade aos elementos de K pela qual se obtenha K consistente.
Considere-se outro caso. Faça-se B1 representar a frase "Manuel acredita que Júlio César foi um gênio militar". Admita-se ainda que B2 representa "António não acredita que Júlio César fosse um gênio militar" e faça-se K = {B1, B2}. Será K consistente? A resposta é afirmativa. Vejamos por que motivo.
Para que K seja um conjunto inconsistente é necessário que B1 e B2 não possam ser ambas verdadeiras. Note-se que B1 e B2 são ambas frases da forma x acredita que P (onde P representa uma proposição). Sucede que B1 e B2 são verdadeiras em virtude de Manuel e António possuírem as crenças que lhes são atribuídas e não em virtude do conteúdo dessas crenças. Logo, existe pelo menos um modelo M para K sob o qual B1 e B2 resultam ambas verdadeiras. O fato de B1 e B2 serem ambas falsas noutra interpretação (isto é, na hipótese de Manuel e António não terem de fato as crenças que lhes são atribuídas) significa que B1 e B2 não são verdadeiras em todos os modelos.
Outro exemplo de inconsistência é dado pelo seguinte par de frases: "João é solteiro" e "João é casado". Note-se que estas frases podem ser ambas falsas, ainda que não possam ser ambas verdadeiras. Deixo ao leitor, a título de exercício, a tarefa de indicar a circunstância em que ambas são falsas.
Em resumo. Um conjunto K = {P 1, P 2, P 3, ..., P n} é consistente se e somente se existe pelo menos um modelo M pelo qual todos os elementos de K resultam verdadeiros. Esta condição não é incompatível com a possibilidade de todos os elementos de K resultarem falsos numa outra interpretação. Este fato torna-se claro se considerarmos as proposições A1 e A2. Apesar de não poderem ser ambas verdadeiras, podem ser ambas falsas, por exemplo, se apenas alguns portugueses são boas pessoas.
A consequência daqui resultante é particularmente instrutiva. Se K é inconsistente, segue-se {A1 , A2} B (seja qual for a proposição que B represente). Para compreendermos isto basta ver que, dada a inconsistência de K, nunca se tem o caso de todas as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Na realidade, acabamos de mostrar que é impossível que A1 e A2 sejam ambas verdadeiras para a mesma interpretação. A moral da história é a seguinte. Se começarmos com premissas inconsistentes, então, estamos em condições de derivar delas seja que conclusão for. E é claro que não queremos que isto se verifique. De fato, se estivermos dispostos a acreditar em proposições inconsistentes, estaremos dispostos a acreditar seja no que for em consequência das crenças de origem.
Dramatizando um pouco poderíamos dizer o seguinte. Se aceitarmos K como um bom ponto de partida para uma inferência, segue-se que ficamos logicamente comprometidos, entre outras coisas, com a existência de quadrados redondos. E é por este motivo que as inconsistências são pouco apreciadas.
O que acabamos de dizer acerca de conjuntos de proposições aplica-se do mesmo modo a proposições isoladas. Dada uma proposição P , tem-se que P é consistente se e apenas se existe um modelo para P .
Vejamos outro caso. Seja K = {C1, C2}, tal que C1 representa a frase "Todos os estudantes de lógica são interessados" e C2 "Alguns estudantes de lógica não são interessados". A principal diferença entre este caso e o primeiro é a seguinte. Enquanto um conjunto ser inconsistente não é incompatível com a possibilidade de todos os seus elementos serem falsos, o mesmo não se passa agora. De fato, qualquer modelo para C1 torna C2 falsa; por outro lado, uma interpretação pela qual C1 resulte falsa é um modelo para C2. Quando duas frases se encontram nesta relação dizem-se contraditórias.
Tem-se, assim, que um conjunto de frases ser inconsistente não depende de ser também contraditório.
A razão destes fatos é a seguinte. Se for verdade que todos os estudantes de lógica são interessados, então, é falso que alguns o não sejam. Donde, se C1 é verdadeira, C2 é falsa. Por outro lado, se é verdade que alguns estudantes de lógica não são interessados, é necessariamente falso que todos o sejam. Logo, se C2 é verdadeira, C1 é falsa. Assim, não existe um modelo para K sob o qual os seus elementos resultem todos verdadeiros, tal como não existe uma interpretação dos elementos de K pela qual ambos sejam falsos. Em geral, se se quer obter a contraditória de uma proposição P, a melhor forma de o fazer consiste em prefixar a P o símbolo para a negação.
O conceito de contradição aplica-se identicamente a proposições e não apenas a conjuntos de proposições. Exemplos típicos de proposições contraditórias são os seguintes: (i) Sócrates não é Sócrates; (ii) Chove e não chove; (iii) x pertence a P se e somente se x não pertence a P; (iv) O João é solteiro e casado. Assim, uma proposição contraditória é aquela para a qual não existe um modelo.
Se compararmos o que foi dito acima acerca de inconsistência e contradição verificaremos que a relação de contradição é mais forte que a relação de inconsistência. Na realidade, se um conjunto K é contraditório, então K é necessariamente inconsistente. Mas se K é inconsistente não implica que seja contraditório; basta que exista uma interpretação I de K pela qual todos os seus elementos são falsos.
Representando por 1 e 0, respectivamente, os valores verdadeiro e falso, tem-se o seguinte.
Modelo (1, 1) (1, 0) (0, 0)
Inconsistência NÃO SIM SIM
Contradição NÃO SIM NÃO
Vejamos que consequências resultam daqui para a compreensão dos conceitos de validade e argumentação.
Faça-se K = {P1, P2, ..., Pn} {B} tal que P1, P2, ..., Pn B. Nestas circunstâncias, é fácil verificar que K é um conjunto consistente. Na realidade, podemos demonstrar que se se dá o caso de K ser válido, então, K é necessariamente consistente. Podemos igualmente demonstrar que o conjunto L = {P 1, P 2, ..., P n} {A}, se difere de K pelo facto de A e B serem proposições contraditórias (e por nenhuma outra razão) é inconsistente na hipótese de K ser consistente. Por fim, demonstramos também que nenhuma forma de argumento válida implica uma proposição P e a sua negação.
Consideremos o primeiro caso. A proposição a demonstrar é da forma "se ... então...". Isto significa que o nosso argumento tem início assumindo como premissa a proposição que ocorre como antecedente da condicional. Assim, assumimos a validade de K e mostramos que dada esta premissa se segue como conclusão a consistência de K (fato que corresponde ao consequente da condicional).
Esta forma de demonstração é típica em matemática ainda que, por vezes, a terminologia pela qual é apresentada seja diferente. Este, no entanto, é um aspecto que podemos negligenciar com tranquilidade. O fator decisivo que é conveniente ter em consideração diz respeito às razões pelas quais isto acontece. Se refletirmos um pouco verificaremos que, uma vez mais, se trata de mostrar que aceite uma certa proposição, somos racionalmente compelidos a aceitar também uma outra proposição em virtude, apenas, de a última ser uma consequência da primeira. Para isso, é necessário exibir a inferência pela qual este fato se deixa demonstrar de modo a que possamos sujeitá-la a um exame racional. Esta é a consequência de desejarmos exercer competentemente a nossa capacidade crítica.
Informalmente, obtém-se o seguinte. Se K é válido, então, se todas as suas premissas forem verdadeiras, segue-se que a conclusão também o é. Mas, neste caso, todas as proposições de K resultam verdadeiras sob a mesma interpretação e, assim, K possui um modelo. Donde, se existe um modelo para K, dada a definição de modelo, K é consistente. Vejamos agora a apresentação formal do argumento.
Caso 1
(1) K é válido Premissa.
(2) Se P1, P2, ..., Pn forem todas verdadeiras, B é verdadeira 1, Def. de validade.
(3) Existe um modelo M para K 2, Def. de modelo.
(4) K é consistente. 3, Def. de consistência.
(5) Se K é válido, então, K é consistente. 1 4

O modo como o argumento 1 é apresentado acima justifica alguns comentários adicionais importantes.
Formalmente, um argumento é uma sequência de passos numerados que tem início com a listagem das premissas. A sua apresentação inclui duas colunas, sendo a da direita uma lista onde entrevêem as definições usadas ao longo do argumento. Esta coluna contém ainda uma referência ao número dos passos anteriores utilizados para inferir o passo seguinte pelo uso, neste caso, de uma definição.
Por exemplo, no Caso 1, verificamos que a proposição constante no passo 2 da coluna da esquerda foi inferida do passo 1 pela aplicação da definição de validade. Em seguida, o passo 3 foi obtido do passo 2 pela aplicação da definição de modelo, etc. No último passo, onde ocorre a proposição que se queria demonstrar, é assinalado o fato de a conclusão do argumento ter sido obtida pelo conjunto dos passos precedentes. Como se obteve o passo 5 a partir da premissa com base num encadeamento de passos cuja justificação se situa à direita, estamos autorizados a afirmar, no final, que a conclusão é realmente uma consequência da premissa em conjunção com as definições aplicadas ao longo do processo de derivação. O mesmo acontece com a segunda demonstração.
Caso 2
(1) K é válido. Premissa.
(2) L difere de K pelo fato de ocorrer B em K onde corre A em L. Premissa.
(3) A = ¬B Premissa.
(4) Se B é verdadeira, ¬B é falsa. 3, Def. de contradição.
(5) K é consistente. 1, Caso 1.
(6)¬B é falsa em qualquer modelo para P1, P2, ..., Pn. 4, Def. de modelo.
(7) L é inconsistente. 2, 6, Def. de consistência.
(8) Se K é válido, então, L é inconsistente. 1 7.

Em conjunto, os argumentos 1 e 2 permitem mostrar que o conceito de validade se deixa definir à custa do conceito de inconsistência. A principal conclusão a extrair deste fato é que uma instância particular de qualquer padrão de inferência inválida dá lugar a um conjunto inconsistente de proposições. Este resultado não é surpreendente. Tínhamos visto que um argumento é inválido se e somente se o conjunto formado pelas premissas e conclusão possui um modelo. Verificamos agora que nenhuma forma de inferência válida permite, em simultâneo, justificar uma proposição e a sua contraditória.
Deixo ao leitor, a título de exercício, a elaboração de uma demonstração para o terceiro caso. Uma pista é a seguinte. Qualquer resultado que tenha sido demonstrado previamente pode ser utilizado numa nova demonstração. Um outro exercício consiste em obter uma versão mais econômica de E1. Para isso, é necessário mostrar que E1 pode ser simplificado; um dos seus passos é eliminável sem prejuízo do resultado final dado ser redundante. Verifique as definições utilizadas.
7. Tautologias
Vimos que dada uma proposição P qualquer, ou é o caso que P não possui um modelo ou possui pelo menos um modelo. Resta-nos verificar se existem proposições para as quais qualquer interpretação constitui um modelo. Ora, acontece que há proposições que resultam verdadeiras em todas as interpretações. Vamos designá-las por proposições necessariamente verdadeiras e distingui-las daquelas proposições que, apesar de verdadeiras em alguns modelos, não o são em todos os modelos. Ver-se-á também por que razão nem todas as proposições deste tipo possuem um interesse exclusivamente lógico, pelo menos no sentido em que termo "lógica" foi empregue até ao momento.
De fato, usamos este termo com o propósito de designar a disciplina que se ocupa com o estudo das condições formais do pensamento e do discurso, e não há motivos que nos obriguem a modificar esta prática. Iremos somente considerar aquelas proposições cuja verdade necessária decorre ou da sua estrutura lógica apenas ou da sua estrutura lógica associada à definição dos termos não lógicos que nela ocorrem. Designaremos ainda por tautologias todas as proposições que satisfaçam uma ou outra das condições precedentes. Vejamos agora em pormenor algumas definições e exemplos.
A definição de tautologia é a seguinte. Uma proposição P é uma tautologia se e apenas se é verdadeira em todos os modelos exclusivamente em virtude das suas características sintáticas ou semânticas.
Um exemplo do primeiro tipo (sintático) é o seguinte. Seja P a proposição "3 é primo ou 3 não é primo". Verifica-se facilmente que P é constituída por duas proposições ligadas entre si por uma conectiva ("ou") — as proposições "3 é primo" e "3 não é primo" — e que estas proposições são contraditórias. No entanto, quer o número 3 possua a característica que lhe é atribuída quer a não possua, P resulta verdadeira. Proposições com esta forma são verdadeiras em qualquer atribuição de valores às suas partes componentes. Na realidade, este exemplo é uma instância do princípio lógico do terceiro excluído. A aplicação deste princípio é aceite como não estando sujeita a qualquer restrição no contexto da lógica clássica. O princípio estabelece que uma proposição é verdadeira ou falsa, excluindo outras possibilidades. Assim, as suas instâncias particulares dão lugar a proposições reconhecidamente verdadeiras em todos os modelos. Estamos, portanto, em condições de afirmar que P é necessariamente verdadeira em consequência das leis da lógica apenas.
As tautologias têm uma propriedade interessante. Para o verificar, pense-se nas condições que é necessário satisfazer para que em geral uma proposição seja verdadeira. As condições são basicamente duas: (i) uma proposição é verdadeira em virtude do seu significado (é pelo fato de possuir o significado que realmente possui que lhe é possível ser acerca de alguma coisa); (ii) é necessário que a porção de realidade a que a proposição se refere possua as características que lhe são atribuídas. A proposição expressa pela frase "Napoleão venceu a batalha de Austerlitz" é verdadeira visto afirmar acerca do indivíduo Napoleão que este se encontra numa certa relação com um acontecimento particular e que essa relação obtém a respeito de Napoleão, e não acerca de Sócrates ou Wellington. O grau de competência semântica que nos permite compreendê-la não é suficiente para determinar o seu valor de verdade; necessitamos, para o efeito, de informação empírica adicional (por exemplo, consultar os livros de história adequados). Ora, este fato não se deve ao acaso. É aconselhável, contudo, um cuidado adicional a este respeito: se o leitor concluiu que qualquer proposição cuja verdade, para ser estabelecida, reclame o concurso da experiência não é, por essa razão, uma tautologia, a sua conclusão é correta. Mas daqui não se segue que algumas proposições empíricas, pelo facto de não serem tautologias, não sejam necessariamente verdadeiras.
Vejamos. É fácil conceber situações logicamente possíveis que, caso se tivessem verificado, tornariam falsa a proposição acima. Isto significa que a necessidade de incluir informação empírica adicional para determinar o seu valor de verdade é uma consequência de a proposição não ser verdadeira em todos os modelos. Assim, existem mundos logicamente possíveis onde Napoleão não venceu a batalha de Austerlitz. Um mundo logicamente possível é apenas uma situação ou curso alternativo de acontecimentos relativamente ao modo como as coisas se passam no mundo atual e que não é necessário observarmos através de um telescópio; na verdade, é suficiente imaginá-los. Acontece que uma proposição verdadeira em todos os modelos é verdadeira acerca de todos os mundos possíveis.
Similarmente, as proposições contraditórias são falsas em todos os mundos possíveis (um quadrado redondo, por exemplo, é logicamente impossível). Mas, se uma tautologia é verdadeira independentemente do curso de acontecimentos considerado, então, é verdadeira seja o mundo como for. Ora, se não é indispensável recorrer a informação empírica adicional para reconhecer a sua verdade ou falsidade, a explicação consiste em admitir, como ilustra o exemplo precedente, que se trata de uma verdade lógica (a lei do terceiro excluído). Dizemos então que a sua verdade depende em exclusivo da estrutura formal que suporta as partes componentes da proposição. Um exemplo suplementar: (1) "Se Napoleão é francês, então Napoleão é francês". De fato, qualquer atribuição de valores ao antecedente e consequente da implicação dá origem a uma proposição verdadeira. Vejamos outro caso: (2) "Todos os cadernos castanhos são coloridos". Uma análise cuidadosa de (2) permite-nos mostrar que as leis da lógica não são suficientes para garantir que (2) é verdadeira. Esta proposição, no entanto, também é uma tautologia. Isto deve-se às relações semânticas que obtêm entre as partes não lógicas da proposição, e é isso que vamos verificar em seguida.
Ao afirmarmos que a proposição (1) é verdadeira em virtude da forma lógica, estamos a defender que qualquer proposição que exemplifique o mesmo padrão, independentemente do seu conteúdo, é também verdadeira. O leitor poderá testar facilmente esta afirmação se substituir a frase "Napoleão é francês" em ambos os lados da implicação por qualquer outra frase da forma sujeito-predicado, por exemplo, "Sócrates é homem". No entanto, caso queiramos proceder deste modo a respeito de (2), os resultados não são idênticos. Para isso basta verificar que proposição expressa por "Todos os súbditos ingleses são brancos", a designar por (3), é falsa. Ainda assim, (2) e (3) exemplificam o mesmo padrão lógico. Os meios atrás esboçados para formalizar frases na linguagem do cálculo de predicados permitem-nos observar que o padrão comum a (2) e (3) é o seguinte.
(∀x) {[P(x) ∧ Q(x)] → R(x)}
Uma vez que estas proposições exibem a mesma forma mas diferem em valor de verdade, conclui-se que (2) não é verdadeira em virtude do padrão lógico que ambas as proposições têm em comum.
A necessidade de recorrer a um critério semântico, para explicar que frases deste gênero exprimam tautologias justificável. Ao analisarmos cuidadosamente a proposição (2) verificamos que a sua verdade é uma consequência do significado das partes não lógicas que a compõem (as expressões "castanho" e "colorido"), em conjunção com uma lei lógica que seguidamente iremos explicitar. Note-se, em primeiro lugar, que o castanho é uma cor e que todo o objeto que possua a cor castanha é — por definição — colorido. Esta é a parte semântica do problema. A regra lógica afirma o seguinte: aquilo que se aplica a todos os objetos de um conjunto de objetos aplica-se a cada um deles em particular. Ora, os cadernos a que a proposição (2) faz referência incluem-se no conjunto de objetos que possuem a propriedade de serem castanhos. Por esta razão, dado o significado das expressões relevantes e o princípio lógico indicado, conclui-se que a proposição é necessariamente verdadeira. Complementarmente, como a verdade de (2) decorre de princípios lógicos associados a definições que tipificam as nossas práticas linguísticas, a proposição é uma tautologia.
Um leitor interessado poderá, no entanto, interrogar-se com cepticismo a respeito do valor informativo inerente a frases do tipo considerado. De fato, se uma tautologia é uma proposição necessariamente verdadeira devido a considerações de caráter meramente formal ou semântico, parece evidente que estas proposições nada afirmam de substantivo acerca do mundo. Permitem apenas exibir a maneira como empregamos as palavras. Este cepticismo justifica-se parcialmente, é claro. Contudo, as tautologias em sentido lógico estrito, cuja verdade é uma consequência da sua forma, apesar de nada afirmarem acerca do mundo, relevam-nos importantes verdades lógicas. Possuem, além disso, o mérito de permitirem construir sistemas formais axiomáticos pelos quais segmentos importantes das ciências, em particular da matemática, se deixam representar adequadamente. Este é um aspecto notável dada a possibilidade que estes sistemas oferecem de codificar formalmente os princípios de que dependem as demonstrações aceites em cada uma das áreas relevantes. Em complemento, permitem examinar com objetividade essas demonstrações e avaliar a sua correção.
Mas existem ainda razões para considerar incorreta a tese de que não existem verdades necessárias substantivas. Quando dizemos que as tautologias são proposições necessariamente verdadeiras, isto não significa que — sem exceção — as proposições necessariamente verdadeiras são tautologias. Frases como "Se Sócrates é mortal, então Sócrates é mortal" não iludem alguma trivialidade. Mas o mesmo não sucede com um teorema matemático, digamos, "x2 + y2 = z2". Tal como o célebre teorema de Pitágoras, existem excelentes razões para defender que as restantes proposições matemáticas, se verdadeiras, são necessariamente verdadeiras. Por outro lado, Saul Kripke, um importante filósofo americano da segunda metade do século XX, argumentou de forma plausível a favor da existência de verdades necessárias a posteriori, isto é, de proposições que dependem da experiência para serem conhecidas como verdadeiras, ainda que sejam verdadeiras em todos os mundos possíveis. "A água é H2O"constitui o exemplo típico de proposição empírica necessariamente verdadeira.
Esta, no entanto, é uma discussão que já não compete à disciplina de lógica.
8. Conclusão
Os capítulos precedentes contém a informação mínima indispensável ao prosseguimento de estudos na área. Para ir mais além, o leitor dispõe de alguma bibliografia básica, quase toda em língua inglesa. E existe também bibliografia em português cuja leitura se recomenda. Um exemplo do segundo tipo é o livro de Newton-Smith, Lógica, Um Curso Introdutório, publicado na coleção "Filosofia Aberta" da Gradiva. O outro exemplo é o livro de Franco de Oliveira, Lógica e Aritmética, da mesma editora. Num registro mais austero, pode ler-se, de M. S. Lourenço, Teoria Clássica da Dedução, da Assírio e Alvim.
Em inglês, é vivamente recomendada a consulta de Modern Logic, de Graeme Forbes, uma das melhores e mais completas introduções à lógica atualmente disponíveis. A editora é a Oxford University Press. Em complemento, pode-se ainda consultar Logical Forms, de Mark Sainsbury, da Blackwell.
Finalmente, uma interessante discussão sobre os conceitos de possibilidade e necessidade encontra-se em Understanding Necessary Truth (inédito), de Desidério Murcho, a quem desejo também agradecer a paciente revisão do material exposto e as correções introduzidas em alguns pontos.
Lógica
A lógica (do grego clássico λογική logos, que significa palavra, pensamento, ideia, argumento, relato, razão lógica ou princípio lógico), é uma ciência de índole matemática e fortemente ligada à Filosofia. Já que o pensamento é a manifestação do conhecimento, e que o conhecimento busca a verdade, é preciso estabelecer algumas regras para que essa meta possa ser atingida. Assim, a lógica é o ramo da filosofia que cuida das regras do bem pensar, ou do pensar correto, sendo, portanto, um instrumento do pensar. A aprendizagem da lógica não constitui um fim em si. Ela só tem sentido enquanto meio de garantir que nosso pensamento proceda corretamente a fim de chegar a conhecimentos verdadeiros. Podemos, então, dizer que a lógica trata dos argumentos, isto é, das conclusões a que chegamos através da apresentação de evidências que a sustentam. O principal organizador da lógica clássica foi Aristóteles, com sua obra chamada Organon. Ele divide a lógica em formal e material.
Um sistema lógico é um conjunto de axiomas e regras de inferência que visam representar formalmente o raciocínio válido. Diferentes sistemas de lógica formal foram construídos ao longo do tempo quer no âmbito escrito da Lógica Teórica, quer em aplicações práticas na computação e em Inteligência artificial.
Tradicionalmente, lógica é também a designação para o estudo de sistemas prescritivos de raciocínio, ou seja, sistemas que definem como se "deveria" realmente pensar para não errar, usando a razão, dedutivamente e indutivamente. A forma como as pessoas realmente raciocinam é estudado nas outras áreas, como na psicologia cognitiva.
Como ciência, a lógica define a estrutura de declaração e argumento para elaborar fórmulas através das quais estes podem ser codificados. Implícita no estudo da lógica está a compreensão do que gera um bom argumento e de quais argumentos são falaciosos.
A lógica filosófica lida com descrições formais da linguagem natural. A maior parte dos filósofos assumem que a maior parte do raciocínio "normal" pode ser capturada pela lógica, desde que se seja capaz de encontrar o método certo para traduzir a linguagem corrente para essa lógica.
Abaixo estão discussões mais específicas sobre alguns sistemas lógicos. Veja também: Anexo:Lista de tópicos em lógica.
Lógica Aristotélica
Dá-se o nome de Lógica aristotélica ao sistema lógico desenvolvido por Aristóteles a quem se deve o primeiro estudo formal do raciocínio. Dois dos princípios centrais da lógica aristotélica são a lei da não-contradição e a lei do terceiro excluído.
A lei da não-contradição diz que nenhuma afirmação pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e a lei do terceiro excluído diz que qualquer afirmação da forma *P ou não-P* é verdadeira. Esse princípio deve ser cuidadosamente distinguido do *princípio de bivalência*, o princípio segundo o qual para toda proposição (p), ela ou a sua negação é verdadeira.
A lógica aristotélica, em particular, a teoria do silogismo, é apenas um fragmento da assim chamada lógica tradicional.
Lógica formal
A Lógica Formal, também chamada de Lógica Simbólica, preocupa-se, basicamente, com a estrutura do raciocínio. A Lógica Formal lida com a relação entre conceitos e fornece um meio de compor provas de declarações. Na Lógica Formal os conceitos são rigorosamente definidos, e as orações são transformadas em notações simbólicas precisas, compactas e não ambíguas.
As letras minúsculas p, q e r, em fonte itálica, são convencionalmente usadas para denotar proposições:
p: 1 + 2 = 3
Esta declaração define que p é 1 + 2 = 3 e que isso é verdadeiro.
Duas proposições --ou mais proposições-- podem ser combinadas por meio dos chamados operadores lógicos binários , formando conjunções, disjunções ou condicionais. Essas proposições combinadas são chamadas proposições compostas. Por exemplo:
p: 1 + 1 = 2 e
Neste caso, e é uma conjunção. As duas proposições podem diferir totalmente uma da outra!
Na matemática e na ciência da computação, pode ser necessário enunciar uma proposição dependendo de variáveis:
p: n é um inteiro ímpar.
Essa proposição pode ser ou verdadeira ou falsa, a depender do valor assumido pela variável n.
Uma fórmula com variáveis livres é chamada função proposicional com domínio de discurso D. Para formar uma proposição , devem ser usados quantificadores. "Para todo n", ou "para algum n" podem ser especificados por quantificadores: o quantificador universal, ou o quantificador existencial, respectivamente. Por exemplo:
para todo n em D, P(n).
Isto pode ser escrito como:

Quando existem algumas variáveis livres, a situação padrão na análise matemática desde Weierstrass, as quantificações para todos ... então existe ou então existe ... isto para todos (e analogias mais complexas) podem ser expressadas.
Lógica material
Trata da aplicação das operações do pensamento, segundo a matéria ou natureza do objeto a conhecer. Neste caso, a lógica é a própria metodologia de cada ciência. É, portanto, somente no campo da lógica material que se pode falar da verdade: o argumento é válido quando as premissas são verdadeiras e se relacionam adequadamente à conclusão.


Lógica matemática: é o uso da lógica formal para estudar o raciocínio matemático-- ou, como propõe Alonzo Church[1], 'lógica tratada pelo método matemático'. No início do século XX, lógicos e filósofos tentaram provar que a matemática, ou parte da matemática, poderia ser reduzida à lógica.(Gottlob Frege, p.ex., tentou reduzir a aritmética à lógica; Bertrand Russell e A. N. Whitehead, tentaram reduzir toda a matemática então conhecida à lógica -- a chamada 'lógica de segunda ordem'.) Uma das suas doutrinas lógico-semânticas era que a descoberta da forma lógica de uma frase, na verdade, revela a forma adequada de dizê-la, ou revela alguma essência previamente escondida. Há um certo consenso que a redução falhou -- ou que precisaria de ajustes --, assim como há um certo consenso que a lógica -- ou alguma lógica -- é uma maneira precisa de representar o raciocínio matemático. Ciência que tem por objeto o estudo dos métodos e princípios que permitem distinguir raciocínios válidos de outros não válidos.
Lógica filosófica
A lógica estuda e sistematiza a argumentação válida. A lógica tornou-se uma disciplina praticamente autônoma em relação à filosofia, graças ao seu elevado grau de precisão e tecnicismo. Hoje em dia, é uma disciplina que recorre a métodos matemáticos, e os lógicos contemporâneos têm em geral formação matemática. Todavia, a lógica elementar que se costuma estudar nos cursos de filosofia é tão básica como a aritmética elementar e não tem elementos matemáticos. A lógica elementar é usada como instrumento pela filosofia, para garantir a validade da argumentação.
Quando a filosofia tem a lógica como objeto de estudo, entramos na área da filosofia da lógica, que estuda os fundamentos das teorias lógicas e os problemas não estritamente técnicos levantados pelas diferentes lógicas. Hoje em dia há muitas lógicas além da teoria clássica da dedução de Russell e Frege (como as lógicas livres, modais, temporais, paraconsistentes, difusas, intuicionistas, etc.), o que levanta novos problemas à filosofia da lógica.
A filosofia da lógica distingue-se da lógica filosófica aristotélica , que não estuda problemas levantados por lógicas particulares, mas problemas filosóficos gerais, que se situam na intersecção da metafísica, da epistemologia e da lógica. São problemas centrais de grande abrangência, correspondendo à disciplina medieval conhecida por «Lógica & Metafísica», e abrangendo uma parte dos temas presentes na própria Metafísica, de Aristóteles: a identidade de objetos, a natureza da necessidade, a natureza da verdade, o conhecimento a prioridade, etc. Precisamente por ser uma «subdisciplina transdisciplinar», o domínio da lógica filosófica é ainda mais difuso do que o das outras disciplinas. Para agravar as incompreensões, alguns filósofos chamam «lógica filosófica» à filosofia da lógica (e vice-versa). Em qualquer caso, o importante é não pensar que a lógica filosófica é um gênero de lógica, a par da lógica clássica, mas «mais filosófica»; pelo contrário, e algo paradoxalmente, a lógica filosófica, não é uma lógica no sentido em que a lógica clássica é uma lógica, isto é, no sentido de uma articulação sistemática das regras da argumentação válida.
A lógica informal estuda os aspectos da argumentação válida que não dependem exclusivamente da forma lógica. O tema introdutório mais comum no que respeita à lógica é a teoria clássica da dedução (lógica proposicional e de predicados, incluindo formalizações elementares da linguagem natural); a lógica aristotélica é por vezes ensinada, a nível universitário, como complemento histórico e não como alternativa à lógica clássica.» [Desidério Murcho]
"Lógica", depois ela foi substituída pela invenção da Lógica Matemática. Relaciona-se com a elucidação de ideias como referência, previsão, identidade, verdade, quantificação, existência, e outras. A Lógica filosófica está muito mais preocupada com a conexão entre a Linguagem Natural e a Lógica.
Lógica de predicados
Gottlob Frege, em sua Conceitografia (Begriffsschrift), descobriu uma maneira de reordenar várias orações para tornar sua forma lógica clara, com a intenção de mostrar como as orações se relacionam em certos aspectos. Antes de Frege, a lógica formal não obteve sucesso além do nível da lógica de orações: ela podia representar a estrutura de orações compostas de outras orações, usando palavras como "e", "ou" e "não", mas não podia quebrar orações em partes menores. Não era possível mostrar como "Vacas são animais" leva a concluir que "Partes de vacas são partes de animais".
A lógica de orações explica como funcionam palavras como "e", "mas", "ou", "não", "se-então", "se e somente se", e "nem-ou". Frege expandiu a lógica para incluir palavras como "todos", "alguns", e "nenhum". Ele mostrou como podemos introduzir variáveis e quantificadores para reorganizar orações.
• "Todos os humanos são mortais" se torna "Para todo x, se x é humano, então x é mortal.", o que pode ser escrito simbolicamente como:

• "Alguns humanos são vegetarianos" se torna "Existe algum (ao menos um) x tal que x é humano e x é vegetariano", o que pode ser escrito simbolicamente como:
.
Frege trata orações simples sem substantivos como predicados e aplica a eles to "dummy objects" (x). A estrutura lógica na discussão sobre objetos pode ser operada de acordo com as regras da lógica de orações, com alguns detalhes adicionais para adicionar e remover quantificadores. O trabalho de Frege foi um dos que deram início à lógica formal contemporânea.
Frege adiciona à lógica de orações:
• o vocabulário de quantificadores (o A de ponta-cabeça, e o E invertido) e variáveis;
• e uma semântica que explica que as variáveis denotam objetos individuais e que os quantificadores têm algo como a força de "todos" ou "alguns" em relação a esse objetos;
• métodos para usá-los numa linguagem.
Para introduzir um quantificador "todos", você assume uma variável arbitrária, prova algo que deva ser verdadeira, e então prova que não importa que variável você escolha, que aquilo deve ser sempre verdade. Um quantificador "todos" pode ser removido aplicando-se a oração para um objeto em particular. Um quantificador "algum" (existe) pode ser adicionado a uma oração verdadeira de qualquer objeto; pode ser removida em favor de um temo sobre o qual você ainda não esteja pressupondo qualquer informação.
Lógica de vários valores
Sistemas que vão além dessas duas distinções (verdadeiro e falso) são conhecidos como lógicas não-aristotélicas, ou lógica de vários valores (ou então lógicas polivaluadas, ou ainda polivalentes).
No início do século 20, Jan Łukasiewicz investigou a extensão dos tradicionais valores verdadeiro/falso para incluir um terceiro valor, "possível".
Lógicas como a lógica difusa foram então desenvolvidas com um número infinito de "graus de verdade", representados, por exemplo, por um número real entre 0 e 1. Probabilidade bayesiana pode ser interpretada como um sistema de lógica onde probabilidade é o valor verdade subjetivo.
Lógica e computadores
A Lógica é extensivamente usada em áreas como Inteligência Artificial, e Ciência da computação.
Nas décadas de 50 e 60, pesquisadores previram que quando o conhecimento humano pudesse ser expresso usando lógica com notação matemática, supunham que seria possível criar uma máquina com a capacidade de pensar, ou seja, inteligência artificial. Isto se mostrou mais difícil que o esperado em função da complexidade do raciocínio humano. A programação lógica é uma tentativa de fazer computadores usarem raciocínio lógico e a linguagem de programação Prolog é comumente utilizada para isto.
Na lógica simbólica e lógica matemática, demonstrações feitas por humanos podem ser auxiliadas por computador. Usando demonstração automática de teoremas os computadores podem achar e verificar demonstrações, assim como trabalhar com demonstrações muito extensas.
Na ciência da computação, a álgebra booleana é a base do projeto de hardware.
Tipos de Lógica
De uma maneira geral, pode-se considerar que a lógica, tal como é usada na filosofia e na matemática, observa sempre os mesmos princípios básicos: a lei do terceiro excluído, a lei da não-contradição e a lei da identidade. A esse tipo de lógica pode-se chamar "lógica clássica", ou "lógica aristotélica".
Além desta lógica, existem outros tipos de lógica que podem ser mais apropriadas dependendo da circunstância onde são utilizadas. Podem ser divididas em dois tipos:
• Complementares da lógica clássica: além dos três princípios da lógica clássica, essas formas de lógica têm ainda outros princípios que as regem, estendendo o seu domínio. Alguns exemplos:
• Lógica modal: agrega à lógica clássica o princípio das possibilidades. Enquanto na lógica clássica existem orações como: "se amanhã chover, vou viajar", "minha avó é idosa e meu pai é jovem", na lógica modal as orações são formuladas como "é possível que eu viaje se não chover", "minha avó necessariamente é idosa e meu pai não pode ser jovem", etc.
• Lógica epistêmica: também chamada "lógica do conhecimento", agrega o princípio da certeza, ou da incerteza. Alguns exemplos de oração: "pode ser que haja vida em outros planetas, mas não se pode provar", "é impossível a existência de gelo a 100°C", "não se pode saber se duendes existem ou não", etc.
• Lógica deôntica: forma de lógica vinculada à moral, agrega os princípios dos direitos, proibições e obrigações. As orações na lógica deôntica são da seguinte forma: "é proibido fumar mas é permitido beber", "se você é obrigado a pagar impostos, você é proibido de sonegar", etc.
• Anticlássicas: são formas de lógica que derrogam pelo menos um dos três princípios fundamentais da lógica clássica. Alguns exemplos incluem:
• Lógica paraconsistente: É uma forma de lógica onde não existe o princípio da contradição. Nesse tipo de lógica, tanto as orações afirmativas quanto as negativas podem ser falsas ou verdadeiras, dependendo do contexto. Uma das aplicações desse tipo de lógica é o estudo da semântica, especialmente em se tratando dos paradoxos. Um exemplo: "fulano é cego, mas vê". Pelo princípio da lógica clássica, o indivíduo que vê, um "não-cego", não pode ser cego. Na lógica paraconsistente, ele pode ser cego para ver algumas coisas, e não-cego para ver outras coisas.
• Lógica paracompleta: Esta lógica derroga o princípio do terceiro excluído, isto é, uma oração pode não ser totalmente verdadeira, nem totalmente falsa. Um exemplo de oração que pode ser assim classificada é: "fulano conhece a China". Se ele nunca esteve lá, essa oração não é verdadeira. Mas se mesmo nunca tendo estado lá ele estudou a história da China por livros, fez amigos chineses, viu muitas fotos da China, etc; essa oração também não é falsa.
• Lógica difusa: Mais conhecida como "lógica fuzzy", trabalha com o conceito de graus de pertinência. Assim como a lógica paracompleta, derroga o princípio do terceiro excluído, mas de maneira comparativa, valendo-se de um elemento chamado conjunto fuzzy. Enquanto na lógica clássica supõe-se verdadeira uma oração do tipo "se algo é quente, não é frio" e na lógica paracompleta pode ser verdadeira a oração "algo pode não ser quente nem frio", na lógica difusa poder-se-ia dizer: "algo é 30% quente, 25% morno e 45% frio". Esta lógica tem grande aplicação na informática e na estatística, sendo inclusive a base para indicadores como o coeficiente de Gini e o IDH.
Testes de Lógica
Vejam alguns testes simples de lógica:
1.Você está numa cela onde existem duas portas, cada uma vigiada por um guarda. Existe uma porta que dá para a liberdade, e outra para a morte. Você está livre para escolher a porta que quiser e por ela sair. Poderá fazer apenas uma pergunta a um dos dois guardas que vigiam as portas. Um dos guardas sempre fala a verdade, e o outro sempre mente e você não sabe quem é o mentiroso e quem fala a verdade. Que pergunta você faria?
2.Você é prisioneiro de uma tribo indígena que conhece todos os segredos do Universo e portanto sabem de tudo. Você está para receber sua sentença de morte. O cacique o desafia: "Faça uma afirmação qualquer. Se o que você falar for mentira você morrerá na fogueira, se falar uma verdade você será afogado. Se não pudermos definir sua afirmação como verdade ou mentira, nós te libertaremos. O que você diria?
3. Epiménides era um grego da cidade de Minos. Dizem que ele tinha a fama de mentir muito.
Certa vez, ele citou esta passagem:
Era uma vez um bode que disse:
- Quando a mentira nunca é desvendada, quem está mentindo sou eu.
Em seguida o leão disse:
- Se o bode for um mentiroso, o que o dragão diz também é mentira.
Por fim o dragão disse:
- Quem for capaz de desvendar a minha mentira, então, ele estará dizendo a verdade.
Qual deles está mentindo?
Este teste é mais conhecido como paradoxo de Epiménides.
Respostas dos "Testes de Lógica" citados acima
1. Pergunte a qualquer um deles: Qual a porta que o seu companheiro apontaria como sendo a porta da liberdade?
Explicação: O mentiroso apontaria a porta da morte como sendo a porta que o seu companheiro (o sincero) diria que é a porta da liberdade, já que se trata de uma mentira da afirmação do sincero. E o sincero, sabendo que seu companheiro sempre mente, diria que ele apontaria a porta da morte como sendo a porta da liberdade.
Conclusão: Os dois apontariam a porta da morte como sendo a porta que o seu companheiro diria ser a porta da liberdade. Portanto, é só seguir pela outra porta.
2. Afirme que você morrerá na fogueira.
Explicação: Se você realmente morrer na fogueira, isto é uma verdade, então você deveria morrer afogado, mas se você for afogado a afirmação seria uma mentira, e você teria que morrer na fogueira.
Conclusão: Mesmo que eles pudessem prever o futuro, cairiam neste impasse e você seria libertado.
3. Ao tentar responder ao enigma, encontram-se informações que se ligam umas às outras e acabam não levando a resposta alguma. Esse enigma pode ser denominado como Paradoxo do mentiroso.
Veja o exemplo de um paradoxo simples e interessante:
A afirmação abaixo é verdadeira.
A afirmação acima é falsa.
Referências
1. ↑ CHURCH, Alonzo. Introduction to Mathematical Logic. 10th ed. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1996. ISBN 978-0691029061
Leituras adicionais
• AZEVEDO FILHO, Adriano. Princípios de Inferência Dedutiva e Indutiva: Noções de Lógica e Métodos de Prova. 1ª Edição 2010, Scotts Valley: CreateSpace, 148p. ISBN 978-1-4421-5143-7.
• BRENNAN, Andrew; DEUSTCH, Max; GOLDSTEIN, Lawrence. Lógica. Artmed, 1a edição 2007, 224p. ISBN 85-363-0908-3.
• DA COSTA Newton. Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica. Hucitec, 2ª Edição 1994, 256p. ISBN 85-271-0182-3.
• FEITOSA, Hércules de Araújo; PAULOVICH, Leonardo. Um Prelúdio á Lógica. UNESP 1a edição 2006, 225p. ISBN 85-7139-605-1
• COPI, Irving M. Introdução à Lógica. Mestre Jou. 2a edição 1978 488p. ISBN 85-87068-05-9
• FINGER, Marcelo; SILVA, Flávio Soares Corrêa da; MELO, Ana Cristina Vieira de. Lógica para Computação. Thomson Pioneira, 1a edição 2006, 244p. ISBN 85-221-0517-0
• FISHER, Alec. A Lógica dos Verdadeiros Argumentos. Novo Conceito, 1a edição 2008, 336p. ISBN 85-99560-29-8
• GORSKY, Samir. A semântica algébrica para a lógica modal e seu interesse filosófico. Dissertação de mestrado. IFCH-UNICAMP. 2008.
• HEGENBERG, Leonidas. Dicionário de Lógica. Editora Pedagógica e Universitária, 1995. 223p. ISBN 85-12-79060-1.
• MORTARI, Cézar A. Introdução á Lógica. UNESP 1a edição 2001, 391p. ISBN 85-7139-337-0
• NOLT, John; ROHATYN, Dennis. Lógica. Makron Books e McGraw-Hill, 596p.
• PINTO, Paulo Roberto Margutti. Introdução à Lógica Simbólica. UFMG 2a edição 2006 339p. ISBN 85-7041-215-0
• SALMON, WESLEY C . Lógica. LTC, 3a edição 1993, 96p. ISBN 85-7054-041-8
• SOUZA, João Nunes de. Lógica para Ciência da Computação. Campus, 2a edição 2008, 240p. ISBN 85-352-2961-2